G20 Social

"Favela não é uma coisa só do Brasil", diz presidente global da Cufa

Diretor da Central Única das Favelas, Marcus Vinícius Athayde avalia positivamente expectativas para o próximo G20 Social, que ocorrerá na África do Sul

Athayde sobre as favelas:
Athayde sobre as favelas: "Às vezes muda o nome, muda o termo, muda a forma como a pessoa enxerga no âmbito geral, mas os problemas são os mesmos" - (crédito: Arquivo pessoal)

Rio de Janeiro — Em meio ao primeiro G20 Social da história, que reuniu mais de 30 mil pessoas entre 14 e 16 de novembro, outros eventos também aconteciam simultaneamente na Baía de Guanabara, na capital carioca. Entre eles, o Fórum Mundial das Favelas, que foi o resultado de conferências internacionais realizadas em 48 países.

As discussões ocorreram no âmbito do G20 Favelas, criado neste ano, sob a presidência brasileira do grupo que reúne as maiores economias de 19 países, a União Europeia e a União Africana. A entidade que comandou todo o projeto foi a Central Única das Favelas (Cufa), que tem presença nacional e internacional.

Durante o evento social, o Correio conversou com o presidente global da Cufa, Marcus Vinícius Athayde, para entender como funcionou o encontro e qual a perspectiva para a próxima reunião, confirmada para acontecer na África do Sul, em 2025. Athayde é formado em economia pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) e também coordena a Favela Holding, um conjunto de empresas que tem como objetivo central o desenvolvimento de favelas e de seus moradores.

Como foi a criação do G20 Favelas?
A iniciativa surge a partir do momento em que o Brasil assume a presidência do G20. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou uma iniciativa chamada G20 Social, que é isso que a gente viveu nos dias 14, 15 e 16 (de novembro). E com a criação do G20 Social, a Cufa, que é a ONG mais importante do país, foi chamada para fazer parte. Então, iniciou-se esse processo chamado G20 Favelas, que é uma forma de a gente trazer debates tão importantes para essas reuniões globais anuais e para dentro das favelas também.

Qual foi a participação do G20 Favelas no documento entregue ao presidente Lula durante o G20 Social?
A Cufa, hoje, é uma instituição que está em mais de 40 países. Então, ela já tem uma capilaridade em muitos países, na África, na Europa, na América Latina como um todo, e também nos Estados Unidos. A gente fez o lançamento de um communiqué incluindo tudo que a gente fez, como aproveitar as lideranças que já existem, que fazem trabalhos nas favelas. No Brasil, são mais de 3 mil favelas que fizeram conferências no G20 Favelas. Então, como que a gente reúne todas essas pessoas, mobiliza e mostra a importância do G20, do G20 Social, para as pessoas que vivem nesses territórios? Compilamos e organizamos essas demandas e, no final, criamos um documento.

Quais foram as principais reivindicações da Cufa no G20 Social?
Como sempre, os direitos humanos. Mas, principalmente, o combate à desigualdade. Quando a gente fala de favela, a gente sabe que está falando de um local onde a renda média das pessoas é muito menor. Então, esse foi o principal problema, quando a gente vê no Brasil, e também no resto do mundo, que é a questão do combate à desigualdade, tanto econômica quanto racial. Em relação ao globo, como um todo, a gente também percebe muito o eixo da imigração, que hoje na Europa é muito forte. As favelas da Europa, em vários países que a gente visitou, como Suécia, França, Inglaterra etc., têm essas demandas de como a imigração pode ser resolvida, como que isso que hoje é um problema pode se transformar em uma solução para a sociedade como um todo.

Você acha que a realização do primeiro G20 Social ter sido aqui no Rio é simbólico?
É muito simbólico. Quando a gente fala de favela, no mundo inteiro, a primeira cidade que vem à mente é o Rio de Janeiro. O Rio é o cartão postal do Brasil, que as pessoas reconhecem como "cidade maravilhosa". Então, acho que, quando a gente faz o lançamento do G20 Social aqui, como a primeira vez em que essa iniciativa acontece, é um recado muito simbólico, não só para o mundo em geral, falando sobre o G20, mas também sobre o G20 Social, já que é uma cidade tão acolhedora, que sempre teve essa característica das favelas.

O termo 'favela' é bem brasileiro. Esse nome é entendido em outros lugares do mundo?
É uma coisa engraçada porque, às vezes, até mesmo ainda hoje no Brasil, você vai em locais, como em algumas favelas em Brasília ou no Amazonas, principalmente nos estados do Norte, em que as pessoas ainda não consideram que moram em uma favela, que são faveladas, mas elas vivem em situações completamente iguais às das pessoas que estão no Rio de Janeiro, morando na Rocinha, no Complexo da Penha. Então, acho que é uma questão em que ainda existe um processo de aceitação. Mas, no mundo, a gente já consegue reconhecer isso, principalmente, em locais históricos, como Soweto, na África do Sul, que carrega um nome tão forte e uma história tão grande.

E em quais outros países já existe esse entendimento de que favelas não são algo apenas do Brasil?
Eu acho que, principalmente, os nossos irmãos angolanos, moçambicanos, porque eles consomem um pouco mais a cultura brasileira. Por mais que as pessoas talvez não chamem de favela, ainda, elas reconhecem aqueles territórios como locais de favela, locais diferentes dos bairros tradicionais. Então, isso não tem diferença no resto do mundo. Às vezes muda o nome, muda o termo, muda a forma como a pessoa enxerga no âmbito geral, mas os problemas são os mesmos, e as pessoas conhecem e reconhecem essas divisões culturais e territoriais.

Quais são as expectativas para a realização do G20 Favelas no ano que vem?
Aqui no Fórum Mundial das Favelas, a gente teve a honra de receber o prefeito de Joanesburgo, capital da África do Sul, Dada Morero. Ele fez uma palestra e confirmou que teremos o G20 Social e o G20 Favelas continuando esse trabalho que a gente começou no Brasil este ano. Além disso, durante o encerramento do G20 Social, o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, comentou sobre o trabalho que a Central Única das Favelas fez, falando da importância de manter esse tipo de trabalho. Então, a gente enxerga com um olhar muito positivo a continuidade dele, principalmente a implementação daquilo que foi discutido este ano.

E os próximos passos?
A gente fez o lançamento do G20 Favelas no Complexo da Penha (RJ) em 2024. No ano que vem, o G20 Social vai acontecer novamente, e também o G20 Favelas, em Soweto, na África do Sul. Assim, a gente consegue mostrar que favela não é uma coisa só do Brasil, favela é uma realidade global, e as pessoas precisam entender que isso é uma questão que precisa ser tratada, discutida e solucionada. Os problemas são globais e as soluções também precisam ser.

postado em 01/12/2024 04:00
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