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PEC contra aborto isola Brasil na América do Sul

País coloca-se ao lado do Suriname e de algumas nações da América Central e do Caribe, como El Salvador e Haiti. Entre vizinhos, interrupção da gravidez é permitida quando decorrente de violência sexual ou se a saúde da mulher está em risco

Manifestantes contrários à PEC invadiram a sessão da CCJ para tentar impedir a votação. Mesmo assim, a matéria passou por 35 x 15 -  (crédito: Lula Marques/ Agência Brasil)
Manifestantes contrários à PEC invadiram a sessão da CCJ para tentar impedir a votação. Mesmo assim, a matéria passou por 35 x 15 - (crédito: Lula Marques/ Agência Brasil)

Com a aprovação, na quarta-feira, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que proíbe todos os casos de aborto no país, o Brasil pode passar a ter uma das leis mais restritivas da América do Sul, colocando-se ao lado do Suriname. Ampliado este cenário para a América Central e o Caribe, se igualaria a El Salvador, Haiti, Honduras, Jamaica, Nicarágua e República Dominicana — que proíbem o aborto em todas as circunstâncias.

No cenário sul-americano, em quase todos os casos, o procedimento é liberado quando há o risco à saúde da mulher. Na Argentina, por exemplo, a legislação possibilita o aborto seguro e gratuito até a 14ª semana de gestação e pode ser realizado no sistema público de saúde — há a garantia, ainda, de acompanhamentos psicológicos e sociais pré e pós-procedimento. Na Colômbia, a interrupção da gravidez é legalizada até 24 semanas de gestação. No Uruguai, as mulheres com até 12 semanas são autorizadas a realizar o aborto — quando a gestação é decorrente de estupro, o limite sobe para 14 semanas de gestação.

O Chile descriminalizou o aborto em 2017. Aprovou uma lei que permite a interrupção voluntária da gravidez nas situações de risco para a mãe, inviabilidade fetal (possibilidade de o bebê ser natimorto) e estupro. Na Bolívia, a interrupção da gravidez é permitida em caso de estupro, de incesto e de risco à saúde ou vida da mulher. No Peru, a situação é semelhante: é considerado ilegal, mas pode ser feito quando a mulher corre risco de morte ou para evitar que sofra de uma enfermidade grave e permanente.

Em 2022, o Equador aprovou uma lei na qual mulheres com mais de 18 anos poderão abortar, em caso de estupro, até a 12ª semana de gestação. As menores de 18 anos terão até 18 semanas de gestação para realizar o procedimento, também nos casos de violência sexual.

O aborto é ilegal na Venezuela — exceto se houver ameaça à vida da mulher. Aquela que consentir com a interrupção da gravidez pode ser condenada entre seis meses e dois anos de prisão. O médico ou a pessoa que realizar o procedimento é de um a três anos.

Na Guiana, o aborto é descriminalizado até a 12ª semana de gestação desde 1995. Já a Guiana Francesa, por ser território ultramarino, segue a legislação do país — que, desde 1975, permite a interrupção voluntária da gestação até a 10ª semana de gestação. Além disso, a França colocou, em maio, o direito e a proteção ao aborto na sua constituição.

Procedimento

Dados da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 73 milhões de abortos são realizados no mundo a cada ano. Na América Latina, três em cada quatro procedimentos são classificados como inseguros e 61% das gestações indesejadas são interrompidas voluntariamente. No Brasil, entre 2015 e 2019, 1,8 milhão de abortos foram realizados em mulheres de 15 a 49 anos.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que as complicações durante a gravidez e o parto são a segunda causa de morte entre as jovens de 15 a 19 anos em todo o mundo. Crianças e adolescentes (de 10 a 19 anos) correm maior risco de eclâmpsia, endometrite puerperal e infecções sistêmicas, do que mulheres de 20 a 24 anos. Além disso, nascidos de mães adolescentes têm maior risco de baixo peso ao nascer, nascimento prematuro e condições neonatais graves.

Punição das vítimas

A deputada federal Dandara (PT-MG), que votou contrariamente à PEC, afirmou que o texto é uma forma de "revitimizar e punir" as vítimas de estupro. "Ao aprovar projetos que retrocedem nos direitos reprodutivos, o legislativo atual ignora os avanços necessários para proteger a saúde e a dignidade das brasileiras, perpetuando uma cultura de violência e desamparo. (A PEC) põe em risco a vida e o futuro de crianças, tendo em vista que as principais vítimas de estupro, no Brasil, são meninas menores de 14 anos", lamenta a deputada.

Para a deputada Talíria Petrone (PSol-RJ), a aprovação da PEC vai no sentido contrário àquilo que deveria ser um compromisso do Legislativo — a defesa da vida. "Esta Casa deveria defender a vida e as famílias. Deveria defender a vida das 27 mil meninas de até 14 anos, que pariram no último ano — ou seja, foram estupradas. Deveria se dedicar a defender a vida das quase um milhão de mulheres que foram estupradas no último ano no Brasil", cobrou.

Já a deputada bolsonarista Júlia Zanatta (PL-SC) disse que a CCJ fez "justiça" ao aprovar a matéria. "Não é uma questão política, não são políticos ou juristas que irão defender quando começa a vida. A vida humana, segundo a ciência, começa na concepção", justificou.

Segundo Lenise Garcia, presidente do grupo Brasil sem Aborto, o aborto "faz mais mal do que bem para mãe". "Defendemos as duas vidas: a do bebê e a da mãe. A mulher que faz o aborto ficará com um trauma para o resto da vida, e o bebê vai ter sua vida tirada. A punição precisa ser para o estuprador, não para o bebê", argumenta.

*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi

 

postado em 29/11/2024 03:55
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