O consumo de alimentos ultraprocessados gera um gasto de, aproximadamente, R$ 10,4 bilhões para os cofres públicos brasileiros. A informação vem dos dados colhidos pelo pesquisador Eduardo Nilson da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP).
O levantamento, que considerou apenas as três doenças crônicas mais prevalentes no país — obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão —, também mostrou que cerca de 57 mil mortes anuais podem ser atribuídas aos ultraprocessados, equivalente 10,5% do total de mortes causadas anualmente por ultraprocessados. Sete entidades federativas possuem uma proporção maior de mortes do que a média nacional, com Rio Grande do Sul, com 13%; Santa Catarina, com 12,5%; São Paulo, com 12,3%; Distrito Federal, 11,7%; Amapá, 11,1%; Rio de Janeiro, 10,9%; e Paraná, 10,7%.
Valores e saúde
Na pesquisa encomendada pela ACT Promoção da Saúde e que considerou apenas os gastos federais, Nilson levantou que, do total gasto pelos cofres públicos, aproximadamente R$ 933,5 milhões são de custos diretos relativos a procedimentos ambulatoriais e farmácia popular advindos do Sistema Único de Saúde (SUS). O valor é equivalente a 25% de tudo é gasto com as três doenças crônicas mais prevalentes. Os maiores custos diretos são relacionados ao tratamento da diabetes tipo 2, correspondendo a 41% do total.
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Os dados relacionados à obesidade indicam que os gastos com as mulheres são três vezes maiores em comparação com os homens, enquanto o público masculino geram um gasto maior com diabetes e hipertensão. Já os custos previdenciários e relativos ao absenteísmo chegam a marca de R$ 263 milhões por ano. O total de gastos com despesas hospitalares, ambulatoriais e medicamentos podem atingir os R$ 1,2 bilhão.
Por outro lado, os gastos indiretos apontados pela pesquisa Estimação dos custos da mortalidade prematura por todas as causas atribuíveis ao consumo de produtos alimentícios ultraprocessados no Brasil chegam a marca de R$ 9,2 bilhões por ano. Esse número é relativo à mortalidade prematura atribuída ao consumo de alimentos ultraprocessados. Desse total, R$ 6,6 bilhões são referentes a custos de mortes precoces de homens e R$ 2,6 bi de mulheres.
Tributação de ultrapocessados
A pesquisadora em saúde pública da ACT, Bruna Hassan, destaca que apenas a Colômbia realizou a tributação dos alimentos ultraprocessados no mundo, porém é um movimento ainda bem recente. As bebidas ricas em açúcar, segundo a Bruna, já foram tributadas em mais de 80 países. “São basicamente bebidas ultraprocessadas, né? Não tem ninguém tributando o café, que você adiciona o açúcar ali na padaria. Então, quando você tá falando desses produtos, que não dá mais pra chamar de alimentos, você está falando de produtos que são ricos em açúcar, gordura e sódio”, detalha.
“E eu acho que esse ponto pro SUS é muito relevante. Nas experiências internacionais, vários países fizeram uma destinação do que foi arrecadado com a tributação. Sejam em programas específicos para populações mais vulneráveis, para obras, para café da manhã na escola. Tem uma série de modalidades do que fizeram com o dinheiro que é muito interessante”, afirma a especialista.
Política publicitária
Ao Correio, a deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), autora do Projeto de Lei (PL) 2922/2023, que visa restringir o acesso aos ultraprocessados por entrega e venda para crianças de até 3 anos, explica que “precisamos pensar no que é prioridade para o país”. “Atualmente, os ultraprocessados recebem do estado uma verdadeira proteção, com subsídios e incentivos fiscais que barateiam a sua produção. Por outro lado, a produção de alimentos orgânicos, principalmente de pequenos produtores, é muito pouco apoiada”, destacou.
No que tange ao público infantil, o mais recente Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani/UFRJ) destacou que 25% da dieta das crianças com menos de 5 anos é proveniente de alimentos ultraprocessados. Para aquelas de 2 a 5 anos, o percentual sobe para 30%.
Duda também destaca que, com o grande alcance que as plataformas de streaming e as redes sociais possuem, é preciso que a publicidade desses produtos — e não "alimento", como a pesquisadora em saúde pública Bruna Hassan descreveu — seja cada vez mais restrita. Ela comenta que a propaganda desses produtos deve ser a mesma que produtos como álcool e tabaco, já que “hoje sabemos que os efeitos desse tipo de alimentação causa dependência similar à provocada pela nicotina, e que os efeitos do açúcar podem ser similares ao da cocaína no organismo”.
Segundo Bruna, para que os ultraprocessados se tornem menos acessíveis, é necessário alterar o preço e a publicidade em volta do produto. “Não deveria ser comum que você visse em hospitais, mas o que você vê muito é ultraprocessados sendo prescritos para pessoas que estão doentes, que não têm condição de escolher o que elas vão receber”, lamenta.
Gastos com alimentação saudável e ultraprocessados
“Não pode ser normal que um biscoito recheado custe menos que uma fruta madura e saborosa. Do ponto de vista da fiscalização, assim como é restringida a venda de álcool e cigarros, cabe ao estado enquadrar a venda de ultraprocessados para crianças nesse mesmo tipo de fiscalização já exercida”, comenta a deputada ao debater a diferença de preço entre os alimentos.
Para o pesquisador da Fiocruz, a indústria de alimentos possui um portfólio com produtos in natura — sem ou quase sem interferência humana —, até os ultraprocessados. Com isso, cabe à indústria investir naqueles que geram um bem social maior. Um argumento muito utilizado é sobre a perda de empregos e produtividade que, segundo Nilson, não se comprovaram no mercado. “Então, faz todo o conjunto, o portfólio que a indústria tem vai, às vezes, desde o minimamente processado até o ultraprocessado, mesmo com o aglomerado”, comentou.
*Estagiário sob a supervisão de Ronayre Nunes
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