O câncer de próstata é a segunda doença que mais afeta homens no mundo. Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) mostram que, em 2022, mais de 16,4 mil morreram devido à doença no Brasil. Em média, 71.730 homens descobrem estar com a doença em algum estágio por ano no Brasil, número fixo anual para o triênio 2023-2025, segundo dados do Inca. O órgão informa ainda que o país tem uma taxa de incidência de 55,49 para cada 100 mil habitantes.
Mas, dentro do território brasileiro, a discrepância entre os entes federativos chama a atenção. O Distrito Federal, com 2,8 milhões de habitantes — conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) —, possui uma taxa de 28,21, a menor do país. Enquanto isso, a Bahia, com uma população de 14,14 milhões, tem uma taxa de incidência do câncer de próstata de 79,42 para cada 100 mil pessoas, maior do país. Pode até parecer que tem relação com o número de habitantes, mas São Paulo, o estado mais populoso do país, com 44,41 milhões de pessoas, possui uma incidência inferior à média nacional, de 47,33.
Pesquisa da Nexus sobre o tema, em parceria com a A.C. Camargo Cancer Center, aponta que um a cada três homens com mais de 45 anos não fizeram e nem farão o exame de toque retal para diagnóstico do câncer de próstata — a principal forma de diagnóstico antes da biópsia. A mesma pesquisa também indica que 59% do público masculino diz saber como se prevenir contra esse câncer.
Preconceito
A doutora em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em sociologia de gênero Camila Galetti explica que a tarefa do cuidado, de si e dos outros, é associada ao feminino. Além disso, ela julga que os homens não vão atrás de informações. "Eles não procuram médicos, não procuram nada que faça alusão ao cuidado, porque fazem essa associação com algo estritamente feminino. Os homens não buscam informações e é preciso termos a dimensão de que eles são os que mais adoecem", destaca a especialista.
Para Galetti, esse estigma é uma questão construída socialmente, o que faz os homens não buscarem o autocuidado, porque isso significa estar vulnerável. "Quando você vai atrás de um médico ou de um cuidado, você tem que demonstrar uma fragilidade, uma vulnerabilidade. E essas questões, historicamente, não estão associadas ao masculino. [...] Isso tudo é um conjunto, se atrela a essa masculinidade tóxica. Eles acham que buscar um atendimento, ter que ser tocado por um profissional, uma pessoa que se especializou, vai estar em xeque a sua masculinidade. E sabemos que isso só prejudica os próprios homens", ressalta.
Além disso, a especialista pontua que, na mídia hegemônica, sempre se dá mais ênfase ao autocuidado feminino, como no movimento Outubro Rosa, que visa conscientizar e prevenir o câncer de mama, e, de acordo com a especialista, é difícil observar programas governamentais voltados especificamente para a saúde do homem. "Quando uma criança adoece, é sempre a mãe que vai destinar o cuidado. Essa associação também faz com que os homens não se sintam parte disso e não tenham afinidade com o cuidado", acrescenta.
Autocuidado
A médica Rafaela Veloso, oncologista do Hospital Sírio-Libanês de Brasília, defende que novembro seja mais do que um mês para a conscientização sobre o câncer de próstata. Ela sugere abordar, também, toda a temática do autocuidado masculino e a desmistificação dos exames. Segundo a especialista, muitos pacientes evitam realizar os exames com medo de realmente terem o câncer e, consequentemente, realizar um tratamento que comprometa a sexualidade do indivíduo. Por isso, preferem não descobrir.
Aliás, a pesquisa da Nexus também mostra que 68% dos homens acreditam que aqueles que tiveram problemas na próstata possuem um risco maior de desenvolver disfunção erétil. Dos entrevistados com idade dos 16 aos 24 anos, 58% julgam correta a afirmação, número inferior ao colhido entre os homens mais velhos — 70%.
A doutora explica que, por conta do desprezo com a própria saúde, a expectativa de vida masculina é menor. "Sem dúvida, isso é ruim para a saúde física e também para a saúde mental", explica Veloso.
Alexandre Cavalcante, médico urologista — a especialidade na linha de frente contra a negligência masculina para com o autocuidado — explica que a principal dificuldade que enfrenta no trabalho é, além da conscientização dos homens, o fato do paciente subestimar eventuais consequências que o diagnóstico do câncer pode trazer. Para o médico, dentre todos os problemas, o preconceito masculino. "O homem que se acha saudável fala que nunca foi ao médico. Ele tem essa relação 'não, eu sou forte, eu nunca fui ao médico. A fortaleza do homem está em saber que sua saúde está plena de fato, e não omitir essa informação ou ter medo dessa informação e, por isso, não procurar o médico", afirma o urologista do Hospital Sírio-Libanês de Brasília.
De acordo com Alexandre Cavalcante, a necessidade da procura de um urologista começa a partir dos 45 anos — em casos de histórico familiar de câncer de próstata — ou 50 anos. Já a pesquisa da Nexus indica que 52% dos homens pensam que o câncer de próstata é uma doença típica da terceira idade. No grupo dos com mais de 60 anos, 63% acredita na afirmação.
Segundo o urologista, as gerações mais recentes têm se mostrado mais desprovidas desse preconceito enraizado, que ele julga vir das gerações anteriores, e, portanto, os médicos precisam encorajar os mais medrosos. "Hoje, os homens se cuidam mais do que antigamente. Eles têm menos medo de procurar ajuda", complementa.
*Estagiário sob a supervisão de Rosana Hessel