Violência

O que se sabe sobre o CAC que matou pai, irmão e PM em Novo Hamburgo

Atirador legalizado também feriu nove pessoas e resistiu por quase dez horas ao cerco policial em um bairro de Novo Hamburgo. Secretário de segurança gaúcho diz que arma na mão de um esquizofrênico é prenúncio de tragédia

Quem passou, ontem, pela rua Adolfo Jaeger, no bairro Ouro Branco, em Nova Hamburgo (RS), deparou-se com uma cenário de guerra. Marcas de tiros nas paredes, centenas de cartuchos espalhados pela calçada, janelas quebradas e manchas de sangue no chão indicavam a gravidade do que aconteceu. Ainda de madrugada, a 3ª Brigada Militar (BM) foi atender a uma denúncia de que um casal de idosos estava sofrendo maus-tratos. Enquanto os policiais conversavam com os moradores, o caminhoneiro Edson Fernando Crippa, de 45 anos, abriu fogo contra o grupo.

O pai e o irmão do atirador (Eugênio Crippa, 74; e Everton, 49) morreram no local, assim como o PM Everton Ranieri Kirsch Junior, de 31 anos. A mãe, Cleris, 70, e a cunhada Priscila, 41, também foram baleadas e conduzidas, em estado grave, a um hospital da cidade. O cerco policial durou mais de nove horas e terminou com a morte do atirador. A polícia descobriu que Edson era esquizofrênico, com histórico de crises, e, mesmo assim, tinha registro de CAC (colecionador, atirador ou caçador) e adquiriu legalmente as quatro armas usadas no crime.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em sua rede social, criticou o que chamou de "distribuição indiscriminada de armamentos" e frisou que casos como esse "não devem ser normalizados".

"Um atirador matou três pessoas e feriu outras nove em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. O trágico episódio ocorreu após denúncias de maus-tratos contra um casal de idosos na casa do atirador, que possuía quatro armas registradas em seu nome. Isso não pode ser normalizado: a distribuição indiscriminada de armamentos na sociedade, com grande parte deles caindo nas mãos do crime, é inaceitável", disse o presidente, em postagem do X.

O secretário de Segurança do estado, Sandro Caron, confirmou que Edson era CAC e que as armas encontradas têm registro na Polícia Federal e no Exército. O que o surpreendeu foi o fato de que o atirador sofria de distúrbios psiquiátricos, havia sido internado quatro vezes e, mesmo assim, era considerado apto para comprar e manusear armas de fogo. "É óbvio que no momento em que se der acesso a uma arma de fogo e farta munição a uma pessoa com esquizofrenia, uma tragédia vai ocorrer. A pergunta não é se vai ocorrer, a pergunta é quando vai ocorrer", declarou Caron.

Ao Correio, o advogado penal e constitucional Ilmar Muniz explicou que a burocracia para ter a posse de armas e o registro de CAC não é exatamente simples, mas a legislação tem furos e desatualizações. Entre os documentos exigidos, está o laudo de aptidão psicológica para manuseio de arma de fogo, fornecido por psicólogo credenciado pela Polícia Federal.

"Provavelmente, a falha aconteceu nesse sentido, já que a esquizofrenia é perceptível em exame clínico e acompanhamento médico com o psiquiatra. Talvez, falha do profissional ao atestar a capacidade psicológica que, nesse caso, (o atirador) não tinha."

O advogado acrescentou que o laudo psicológico só precisa ser renovado após 10 anos. "Durante esse período, não há uma obrigação legal de reavaliação psicológica. Essa questão deveria ser, de fato, uma necessidade latente para que as pessoas precisassem passar por reavaliações periódicas para que possam continuar com seu registro de caçador e atirador. As pessoas mudam ao longo do tempo e, quanto mais tempo passa sem uma reavaliação das pessoas, o risco é maior", alertou Muniz.

Drones abatidos

Ao abrir fogo contra a própria família e os PMs que conversavam do lado de fora da casa, Edson também atingiu outros seis policiais. Após mais de nove horas de cerco, sem aceitar qualquer tipo de negociação para se entregar, o caminhoneiro foi morto por atiradores da polícia.

De acordo com o secretário de Segurança, a polícia encontrou na casa mais de 300 munições não declaradas. O atirador também demonstrou habilidade no manuiseio das armas: durante o cerco, ele abateu a tiros dois drones que monitoravam a área. "Tenho 34 anos de Brigada Militar e, até hoje, não vi uma ocorrência com resistência tão feroz de um atirador, municiado com centenas de estoques. Ele deu mais de 100 tiros, além das centenas de munições intactas apreendidas na residência", relatou o comandante-geral da Brigada Militar, Claudio Faeoli.

Além disso, questionado se o crime havia sido premeditado, o delegado Sodré descartou a ideia. Porém, afirmou que, numa perícia rápida realizada na casa, foi verificado que o atirador estava estocando suprimentos e munição em seu quarto. O homem não tinha antecedentes criminais, apenas um Boletim de Ocorrência aberto contra ele em 2021 por ameaça.

 


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