MINAS GERAIS

Tragédia de Mariana: Corte em Londres começa julgamento de sócia da Samarco

Mais de 620 mil pessoas pedem R$ 266 bilhões em indenização por rompimento da barragem do Fundão em 2015. Entenda detalhes da ação

Nesta segunda-feira (21/10) teve início, na Corte de Tecnologia e Construção de Londres, na Inglaterra, o julgamento para definir a responsabilidade da mineradora anglo-australiana BHP Billiton no caso do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, Minas Gerais, em 2015. A barragem era da mineradora Samarco, uma joint venture — união de duas ou mais empresas para executar um projeto ou criar uma nova empresa — entre a estrangeira BHP e a brasileira Vale. 

A acusação é feita pelo escritório Pogust Goodhead, que representa mais de 620 mil pessoas, 46 municípios e 1.500 empresas atingidas pelo desastre, que se espalhou além de Mariana através da contaminação do Rio Doce, chegando até o Espírito Santo e desaguando no oceano Atlântico. O caso é considerado a pior tragédia ambiental da história brasileira. O escritório estima um montante de 36 bilhões de libras de indenização, aproximadamente R$ 266 bilhões, representando o maior valor da história da Justiça inglesa, caso o processo seja ganho pela acusação.

“É fundamental esclarecer que a maior parte dos recursos referem-se a verbas que serão gastas pelos estados e pelo governo federal, e não se trata de compensações diretas aos indivíduos e comunidades afetadas”, ressalta o escritório em nota no próprio site.

Já a ré, a BHP Billiton, descreve o rompimento da barragem como “uma tragédia” e afirma que “nossa profunda solidariedade permanece com as famílias e as comunidades atingidas”. A anglo-australiana também ressalta a criação da Fundação Renova, em 2016. “(A Fundação Renova) já destinou mais de R$ 38 bilhões em auxílio financeiro emergencial, indenizações, reparação do meio ambiente e infraestruturas para aproximadamente 430.000 pessoas, empresas locais e comunidades indígenas e quilombolas”, completa.

A BHP defende, ainda, que o processo em andamento na Inglaterra “duplica e prejudica os esforços em andamento no Brasil” e afirma que segue trabalhando coletivamente com as autoridades brasileiras e “outras partes” na tentativa de encontrar soluções para finalizar o processo de reparação e compensação.

Detalhes da ação na Inglaterra

Apesar do julgamento estar se desenrolando em solo inglês, as análises da juíza responsável, Finola O’Farrell, estarão amparadas nas legislações ambiental e civil brasileiras. As audiências iniciarão com as declarações das equipes de advogados da acusação e da defesa, fase que deve durar quatro dias. Pelas três semanas seguintes, serão ouvidas as testemunhas da BHP. Na sequência, especialistas em direito ambiental, societário e de responsabilidade civil brasileiros, chamados pela ré e pelo escritório Pogust, irão ser responsáveis por explicar a legislação brasileira para a juíza.

Porém, o andamento do processo de responsabilização da Samarco segue sem muitas novidades. Na última segunda-feira (14), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino proibiu que os municípios afetados paguem honorários advocatícios em ações judiciais que estão em tramitação em tribunais estrangeiros e demandou que os municípios forneçam cópias dos contratos assinados com os escritórios. Além disso, o Dino solicitou que não sejam realizados quaisquer pagamentos aos advogados que atuam nas causas no exterior.

Decisão de Flávio Dino

A decisão foi tomada após o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) entrar com uma ação contestando a possibilidade de empresas brasileiras serem acionadas em tribunais estrangeiros pelos municípios para cobrar danos causados no Brasil. O especialista em direito internacional e mestre em relações internacionais pela Universidade Tsinghua Gabriel Araújo Souto explica que o Ibram é um crítico desse modelo de financiamento ao litígio e considera isso como uma afronta à soberania brasileira.

“Contudo, esse método facilita a compensação dos lesados pelo desastre, uma vez que o processo é mais célere no exterior, quando os tribunais estrangeiros reconhecem que tem a jurisdição para julgar esses casos, e que eventualmente garantiria um balanço econômico entre os pólos do processo”, explicou.

Já o mestre em direito administrativo pela PUC-SP, Marcos Jorge explica que Flávio Dino baseou a decisão na inexistência de regras que autorizam entes da administração pública a celebrar contratos honorários advocatícios no êxito de ações judiciais.

“De fato, os órgãos de controle da administração pública, em especial o Tribunal de Contas da União e os demais Tribunais de Contas dos estados, consideram ilegais eventuais estipulações de êxito em contratos celebrados com a União, estados, municípios e Distrito Federal, pois essas avenças geralmente ficam condicionadas a taxas de retornos vinculadas a grandes valores auferidos em benefícios dos entes públicos”, explica. As empresas brasileira e anglo-australiana — Vale e BHP, respectivamente — propuseram um novo acordo ao governo brasileiro para pagar mais de R$ 170 bilhões em indenização, que pode ser assinado até sexta-feira (25).

A equipe do Pogust Goodhead enfatiza que “(nossos) clientes não foram incluídos ou consultados em nenhum momento durante o processo de repactuação no Brasil, que vem sendo conduzido a portas fechadas e sob confidencialidade desde o início. A proposta anunciada pela BHP, portanto, não reflete a realidade das perdas sofridas pelos clientes da ação inglesa”.

*Estagiário sob a supervisão de Ronayre Nunes

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