Há 16 anos, em 13 de outubro de 2008, um caso de repercussão nacional revoltou o país. O feminicídio, embora não existisse ainda a lei ou popularização do termo, de Eloá Pimentel expôs o despreparo da sociedade, dos agentes de segurança e da própria mídia para abordar a violência de gênero.
O Caso Eloá iniciou na manhã de uma segunda-feira e teve um desfecho trágico em 17 de outubro, uma sexta-feira, após mais de 100 horas com a jovem em cárcere privado. Lindemberg Alves, na época com 22 anos, invadiu o apartamento da jovem Eloá, 15 anos, onde a menina estudava na companhia de três amigos. A justificativa apontada pelo autor do crime é uma das que mais aparecem nos noticiários até hoje: o homem não queria aceitar o fim do relacionamento.
Nessa época, no entanto, termos como “crime passional” davam um ar novelesco ao crime. A diretora de conteúdo da Agência Patrícia Galvão, Marisa Sanematsu, destaca a romantização da cobertura na época do crime. “Colocaram o Lindemberg como um pobre rapaz apaixonado, uma vítima da paixão”, comenta. Ela destaca ainda a polêmica entrevista ao vivo dada pelo autor do crime durante o período do sequestro à apresentadora Sonia Abrão, da Rede TV!.
Novos padrões
Com a aprovação da lei 13.104, que tipifica o crime de feminicídio, em 2015, algumas mudanças sociais e na cobertura midiática puderam ser observadas. Um dos sinais mais notáveis é o de que, para a maioria das pessoas, o número de feminicídios parece ter aumentado quando, na verdade, o que cresceu foi a visibilidade desses casos.
No entanto, para Marisa Sanematsu, a cobertura ainda é falha, se limitando a uma cobertura policial sem chegar a discussões mais aprofundadas sobre a motivação da violência de gênero. Embora documentários, pesquisas e até grandes veículos tenham reconhecido falhas na atuação da imprensa, a especialista diz que não é possível afirmar que a abordagem da mídia mudou por conta do Caso Eloá, mas sofreu algumas transformações em decorrência das novas leis e da própria percepção da sociedade.
Mas outro fator preocupa a diretora de conteúdo. “Se hoje tivesse um caso como o da Eloá, eu não ficaria surpresa se a gente fosse assistir não na TV aberta, mas em transmissões de diversos influenciadores que fariam lives no local”, afirma. “Não estamos livres de viver esse tipo de cobertura”.
Segundo ela, a facilidade de produzir conteúdo pode ser preocupante, já que é cada vez mais difícil ter controle sobre as publicações. “A gente tem que estar sempre atenta porque o preconceito contra as mulheres continua existindo e as acusações de que as mulheres são manipuladoras também são muito grandes”.
Conjunto de falhas
Com a atuação polêmica dos veículos de notícia, o caso também gerou uma onda de críticas a respeito da atuação policial.
Se passaram mais de 100 horas desde que Lindemberg Alves invadiu o apartamento onde a jovem morava, em um conjunto habitacional em Santo André (SP), até o desfecho da história. Horas de tensão em que as vítimas ficaram em cárcere privado enquanto o Grupamento de Ações Táticas Especiais (GATE) da Polícia Militar de São Paulo tentava negociar a soltura das reféns Eloá e Nayara Rodrigues.
Na ocasião em que teve a casa invadida, Eloá estudava com os amigos Iago, Victor e Nayara. Os dois meninos foram liberados na noite do dia 13, enquanto Nayara foi solta no dia seguinte. No entanto, a pedido de Lindemberg e por orientações da polícia, a amiga voltou para ajudar nas negociações, decisão muito criticada na época.
Em 17 de outubro, após sucessivas falhas em conseguir um acordo, a Polícia invadiu o apartamento onde aconteceu o crime. Durante anos, a polícia sustentou a versão de que os agentes invadiram o local após ouvirem barulhos de tiros.
No entanto, peritos convidados pelos veículos de jornalismo na época apontam que policiais adentraram o local antes. Com isso, Lindemberg teria atirado nas duas jovens. Nayara foi atingida no rosto, mas não sofreu risco de morte. Já Eloá levou um tiro na cabeça e outro na virilha. A morte trágica da jovem foi confirmada na madrugada de 18 de outubro, um desfecho triste para uma ação violenta que tinha se alastrado por dias.
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) não quis dar entrevista e nem comentar com mais detalhes as mudanças implementadas após o caso. Em nota, a pasta escreveu: “A Polícia Militar busca sempre aprimorar os seus métodos de abordagem visando à segurança das vítimas e de seus agentes. Casos como o citado são permanentemente estudados, independentemente do resultado. O GATE é uma referência em todo o mundo, para casos de sequestros em andamento. Os policiais são devidamente treinados para dar início às negociações, sempre priorizando a proteção dos envolvidos. Nos casos em que há atuação da Polícia Civil, a instituição atua, por exemplo, em investigações que dão ensejo a mandados de prisão, busca e apreensão ou ambos. Em alguns casos, durante o cumprimento da ordem judicial, a ocorrência pode evoluir para uma situação de crise, com reféns localizados, gerando o acionamento do GER que possui negociadores habilitados para essa situação”.
Dias atuais
Lindemberg Alves foi preso em flagrante. O criminoso foi julgado e condenado em 2012 por 12 crimes a 98 anos e 10 meses de prisão. Em 2013, a pena do réu foi reduzida para 39 anos a serem cumpridos em regime fechado na prisão de Tremembé, conhecida por abrigar presos por casos de repercussão nacional como Alexandre Nardoni, condenado pela morte da filha Isabella Nardoni, 5 anos, em 2008.
Desde 2022, Lindemberg cumpre pena em regime semiaberto. Tentamos contato com a defesa, mas não tivemos retorno até a última atualização da matéria.