Ação internacional

Tragédia de Mariana: saiba tudo sobre o julgamento de R$ 248 bilhões

Justiça inglesa começa a apreciar mérito de ação em que a mineradora anglo-australiana BHP é processada em R$ 248 bi por responsabilidade na tragédia de 2015

Na Inglaterra, representantes de municípios da Bacia Rio Doce e de atingidos por rompimento de barragem fazem protesto por reparação diante da Royal Courts of Justice, em 2022 -  (crédito: Mateus Parreiras/EM/D.A Press - 8/4/2022)
Na Inglaterra, representantes de municípios da Bacia Rio Doce e de atingidos por rompimento de barragem fazem protesto por reparação diante da Royal Courts of Justice, em 2022 - (crédito: Mateus Parreiras/EM/D.A Press - 8/4/2022)

Londres - Culpada ou inocente? E qual o nível de responsabilidade da mineradora BHP no rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, em 5 de novembro de 2015, quando 19 pessoas morreram e 700 mil foram atingidas em toda a Bacia do Rio Doce, de Minas ao Espírito Santo? São essas as perguntas que o julgamento em Londres da multinacional inglesa e australiana tentará responder, a partir desta segunda-feira (21/10), até 5 de março de 2025.

Se considerada culpada, a multinacional poderá arcar com R$ 248 bilhões (US$ 44 bilhões) em indenizações – um acordo dividiu metade a metade os gastos com a mineradora Vale – aos 620 mil clientes do escritório internacional Pogust Goodhead, representante dos atingidos na ação internacional. A reportagem do Estado de Minas informou com exclusividade sobre o processo internacional, em 2018, e está em Londres para acompanhar o início do julgamento.

O processo corre no Reino Unido por ser a BHP uma empresa anglo-australiana e por ser sócia da Vale na direção da Samarco, a mineradora que operava a Barragem do Fundão, que se rompeu em Mariana, há quase nove anos.

Um pesado duelo entre advogados

A batalha judicial em Londres promete ser árdua, com o que de melhor se tem no direito internacional. Entre 2018 e 2023, advogados dos atingidos e da BHP batalharam em cortes de Manchester a Londres para decidir se a empresa poderia ser julgada no Reino Unido. A BHP conseguiu vitória em duas instâncias e o caso foi quase extinto, não fosse um dispositivo raríssimo de revisão contra uma “grande injustiça”, como juridicamente classificado. O recurso acabou acatado pelo tribunal de apelação e, ao fim, representou a admissão do caso.

Com isso, as questões que ocorrem no Brasil interferiram menos no mérito de culpa da multinacional, que será julgado a partir desta segunda-feira (21/10). Por outro lado, até o fim deste mês de outubro está prevista assinatura de novo acordo entre os estados de Minas, Espírito Santo e a União, que tentam compensação de mais de R$ 160 bi com as mineradoras e a extinção da Fundação Renova.

Em outro desdobramento jurídico do caso no Brasil, o Instituto Brasileiro de Mineração questiona no Supremo Tribunal Federal, por Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF-1178), o direito de municípios brasileiros de requererem indenizações no exterior.

Entre os 620 mil representados na Inglaterra pelo escritório Pogust Goodhead, 23 mil são de indígenas e quilombolas. Além deles, 46 municípios e mais 1.500 empresas, autarquias e instituições religiosas figuram no processo na condição de atingidos.

“As leis processuais são inglesas, mas a legislação brasileira será obedecida para determinar se a multinacional descumpriu a lei do país. A lei brasileira tem de ser soberana. Mesmo as multinacionais que expatriaram seus lucros para fora do Brasil, como a BHP fez e continua fazendo, precisam obedecer à lei brasileira”, afirma Ana Carolina Salomão Queiroz, sócia do Pogust Goodhead.

No ano passado, por exemplo, isso ocorreu na mesma corte internacional. Na oportunidade, empresas inglesas foram julgadas sob o direito material de outros países, pela última vez em Gana, se utilizando de especialistas para municiar os juízes sobre as responsabilidades e transgressões das companhias inglesas em relação a leis estrangeiras.

O que diz a multinacional

A BHP rejeita o processo no exterior, que classifica como uma duplicidade dos desdobramentos no Brasil, e afirma não ter tido ingerência sobre as decisões da Samarco que culminaram no desastre da Barragem do Fundão. “A BHP refuta as alegações acerca do nível de controle em relação à Samarco, que sempre foi uma empresa com operação e gestão independentes. Continuamos a trabalhar em estreita colaboração com a Samarco e a Vale para apoiar o processo contínuo de reparação e compensação em andamento no Brasil”, informa a multinacional.

Ainda segundo a BHP, a Fundação Renova, criada em 2016 como parte do primeiro acordo com as autoridades públicas brasileiras, já destinou mais de R$ 37 bilhões em auxílio financeiro emergencial, indenizações, reparação do meio ambiente e infraestruturas para aproximadamente 430 mil pessoas, empresas locais e comunidades indígenas e quilombolas.

Os trâmites da ação internacional

De 21 a 25 de outubro estão previstas as declarações iniciais, em que os advogados de ambos os lados apresentam o caso oralmente. Posteriormente, de 28 a 14 de novembro, ocorre o interrogatório de testemunhas pelos advogados dos atingidos e defensores da empresa. Serão ouvidos diretores da BHP e agentes de governança indicados para a Samarco, entre outros.

Em 18 de novembro começa a oitiva dos especialistas em direito brasileiro. Serão três escolhidos pela BHP e três pelo escritório Pogust Goodhead para nortear a corte sobre o direito brasileiro ambiental, civil e corporativo.

Entre 13 e 16 de janeiro estão previstas oitivas de especialistas em geotecnia (para falar das condições das barragens, métodos de segurança, prevenção, causas do rompimento, entre outros). Eventualmente poderão ser ouvidos também especialistas em licenciamento.

O julgamento termina com a sentença de culpa ou inocência, prevista para 5 de março de 2025. Após esse prazo, serão cerca de três meses para a apresentação dos valores a serem indenizados, caso seja essa a decisão da Justiça na ação internacional.

Uma tragédia e poucas respostas

Relembre o caso Mariana, às vésperas de completar nove anos

Comunidade, Bento Rodrigues

Comunidade, Bento Rodrigues

Paulo Filgueiras/EM/D.A Press – 8/11/2015

5 de novembro de 2015

A Barragem do Fundão se rompe no Complexo de Germano, em Mariana, liberando 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. Entre a área de mineração e a primeira comunidade, Bento Rodrigues, que foi arrasada, morrem 19 pessoas. Paracatu de Baixo, em Mariana, e Gesteira, em Barra Longa também sofrem destruição.

8 de novembro de 2015

Lama e rejeitos chegam a Governador Valadares pela calha do Rio Doce. A captação de água é interrompida e 200 mil pessoas precisam economizar. Começam a ser enviados suprimentos de água

13 de novembro de 2015

Iniciadas as investigações criminais e cíveis pelo Ministério Público em níveis federal e estadual, Polícia Federal, Polícia Civil e Ministério do Trabalho 

Rio Doce

Rio Doce

Leandro Couri/EM/D.A Press – 27/11/2015

21 de novembro de 2015

A massa de rejeitos de minério, saturando o Rio Doce, atinge o mar no distrito de Regência Augusta, em Linhares (ES). Foram 663 quilômetros atingidos nos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce, um total de 41 municípios e três reservas indígenas

23 de dezembro de 2015

A Samarco se compromete a pagar indenização de R$ 100 mil a famílias de mortos e desaparecidos, além de auxílio emergencial de um salário mínimo mais 20% por dependente e uma cesta básica mensal aos atingidos

3 de fevereiro de 2016

Com fechamento da foz do Rio Doce para a pesca, todo o manancial e as áreas atingidas dos rios do Carmo e Gualaxo do Norte também têm a atividade proibida

2 de março de 2016

Contrariando o Ministério Público, Samarco e suas controladoras, a Vale e a BHP Billiton, assinam Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) com o governo federal e estados de Mnas Gerais e Espírito Santo para a criação da Fundação Renova e 40 ações de recuperação social, ambiental e econômica das regiões atingidas. Acordo inicial era de investir R$ 13,3 bilhões até 2031

2 de maio de 2016

MPF entra com ação civil pública para reparação integral pelo rompimento, no valor de R$ 155 bilhões

4 de julho de 2016

Liminar pedida pelo MPF é concedida pelo STJ e suspende o TTAC. Em 18 de agosto, o TTAC é anulado

20 de outubro de 2016

MPF denuncia 26 pessoas físicas e jurídicas pelo desastre, sendo 21 acusadas por homicídios dolosos e outros três crimes, além de crimes ambientais

25 de junho de 2018

Firmado o TAC Governança entre Ministério Público Federal (MPF), MP de Minas (MPMG) e do Espírito Santo (MPES), Defensoria Pública da União (DPU) e defensorias dos dois estados, além de mais nove órgãos públicos, com as mineradoras para novas estruturas de efetiva participação dos atingidos. Ação de R$ 155 bilhões fica suspensa

21 de setembro de 2018

Escritório de advocacia inglês atualmente denominado Pogust Goodhead anuncia ingresso com uma ação de 5 bilhões de libras em cortes do Reino Unido contra a BHP Billiton SPL, controladora da Samarco ao lado da Vale. Processo com 200 mil atingidos é protocolado em 2 de novembro

26 de outubro de 2018

Integrantes do MP e defensorias públicas assinam com mineradoras acordo de não prescrição de indenizações

22 a 31 de julho de 2020

Advogados dos atingidos e da BHP Billiton levam o caso internacional ao Centro de Justiça Cível em Manchester. Em 9 de novembro, o juiz nega o caso

30 de setembro de 2020

Sem avanços, MPF, MPMG, DPU e defensorias estaduais retomam a ação civil pública de R$ 155 bilhões

23 de março de 2021

Corte de Apelação em Londres nega o recurso aos atingidos e extingue o caso

22 de junho de 2021

 No Brasil, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenta repactuação

27 de julho de 2021

Tribunal de Apelação da Royal Courts of Justice de Londres admite o recurso dos atingidos e reabre o processo internacional

 

protesto  em Londres

protesto em Londres

Mateus Parreiras/EM/D.A Press – 8/4/2022

4 a 8 de abril de 2022

Os juízes do Tribunal de Apelação ouviram os argumentos da BHP e dos defensores dos atingidos, que protestam em Londres

8 de julho de 2022

Tribunal de Apelação de Londres decide que todas as questões trazidas pelos atingidos poderão ser julgadas em processo no Reino Unido contra a BHP Billiton

8 de setembro de 2022

No Brasil, repactuação mediada pelo CNJ falha

30 de janeiro de 2023

Novo grupo de trabalho é formado no governo federal. Em julho há novas negociações para acordo com estados e mineradoras

20 de junho de 2024

O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) a possibilidade de municípios brasileiros apresentarem ações judiciais no exterior

22 de setembro de 2024 

Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira estima em R$ 167 bilhões o acordo com mineradoras. Data de assinatura é estimada entre 24 e 29 de outubro

  • Comunidade, Bento Rodrigues
    Comunidade, Bento Rodrigues Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press – 8/11/2015
  • Rio Doce
    Rio Doce Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press – 27/11/2015
  • protesto  em Londres
    protesto em Londres Foto: Mateus Parreiras/EM/D.A Press – 8/4/2022
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postado em 21/10/2024 08:25 / atualizado em 21/10/2024 08:25
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