A pequena Carlos Chagas, no Vale do Mucuri, em Minas Gerais, realizou a primeira união estável civil entre homens gays. A cerimônia de Vinícius Rocha Varges, 26 anos, e José Amaro da Silva Maciel, de 68 anos, aconteceu no cartório de paz, nessa quarta-feira (16/10), no município de pouco mais de 18 mil habitantes. O evento contou com a presença de familiares, amigos dos noivos e com a participação da equipe do Centro de Atenção Psicossocial Dona Sinhazinha (CAPS).
A presença do CAPS de Carlos Chagas na cerimônia foi exigência dos anfitriões. O casal participou de oficinas e grupos terapêuticos do centro, onde fizeram diversos amigos. “Para nós, foi maravilhoso e importante. O CAPS nos ajudou muito a evoluir como pessoas e a enfrentar os problemas e desafios com sabedoria e confiança”, declarou o noivo Vinícius Rocha.
A coordenadora do CAPS de Carlos Chagas, Dandara Nunes, contou que ficou muito feliz em participar do evento. “A gente viu o processo deles desde o início, sempre foram muito parceiros, uma relação de muita cumplicidade e respeito. Eles também sempre participam e se interessam pelas atividades do centro”, contou.
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O casal se conheceu pela internet, há quatro anos, e acabaram indo morar juntos. José Maciel morava no Rio de Janeiro, e se mudou para a cidade depois que conheceu Vinicius.
Para a coordenadora do CAPS, a união dos dois é um símbolo: “Foi emocionante. Saber que isso (o casamento) simboliza exatamente o que a gente prega, que é as existências poderem estar no mundo como são, sem rotulação, e poder ter essa celebração da liberdade e do amor”, conta.
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O casal lembrou que a intenção do casamento é de ter um relacionamento sério pra vida toda. “Nós estamos muito animados para crescer juntos, e lutar pelos nossos objetivos”, finalizou Vinicius Rocha.
Casamento LGBTQIAPN+
Segundo dados fornecidos pelo Sindicato dos Oficiais de Registro Civil de Minas Gerais (Recivil) foram registrados 2.522 casamentos homoafetivos no estado de 2021 até junho deste ano. Houve uma queda de aproximadamente 42% entre os registros de 2021 e 2023, de 815 para 467.
Segundo Gregory Rodrigues Roque de Souza, coordenador estadual da Aliança Nacional LGBTI em Minas Gerais, a queda é reflexo do ambiente muitas vezes hostil e ultraconservador que ainda impera em muitas regiões do estado, onde muitos casais LGBTQIAPN+ enfrentam uma sociedade que marginaliza sua existência como um todo, sofrendo violências físicas, psicológicas e até mesmo simbólicas.
“O aumento que aconteceu no início talvez tenha sido dado pelo acúmulo de pessoas que estavam ali esperando por uma possibilidade para poder formalizar suas uniões e não conseguiam porque não havia ainda a ação do Supremo Tribunal Federal, que garantia o reconhecimento dessas uniões como entidades familiares”, explicou o coordenador.
Maicon Chaves, psicanalista e presidente do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual e Identidade de Gênero de Minas Gerais (Cellos-MG), explicou que os avanços que o estado teve a respeito das pautas LGBTQIAPN+ chegam de maneira diferente em cidades de interior. “A realidade do interior é muito diferente das capitais, elas ainda conservam um discurso muito moral e conservador. Nós percebemos também uma incidência muito grande do discurso de ódio nesses locais”, declara.
Mas Souza destacou que um casamento dentro de uma cidade pequena, tradicionalista, acaba abrindo um espaço importante para o tema. “Serve de exemplo, para outros jovens e outras famílias que ainda não tiveram a sua união reconhecida no cartório”, comenta.
Para Chaves é um alívio saber que casamento como o de Vinícius e José estejam acontecendo, em uma cidade como Carlos Chagas. A garantia do casamento civil, registrado em cartório, entre pessoas do mesmo sexo, é uma luta à parte, segundo ele. “Não estamos reivindicando o direito de amar, estamos reivindicando cidadania”, destaca.
Ele relembrou que o casamento civil é uma maneira de garantir inúmeros direitos, como inclusão do cônjuge no plano de saúde, pensão por morte, heranças entre outras. “Existem inúmeros casais que já vivem como casados, mas não oficializam a união. O casamento em cartório serve para que pessoas LGBT não fiquem desamparadas”, explica.
“Infelizmente, casar no civil não significa não ser mais vítima de homofobia”, destaca Maicon Chaves, segundo ele, as dificuldades sociais não deixam de existir, e esses casais podem permanecer sofrendo preconceito socialmente. Assegurar o direito do cidadão é diferente de garantir que essas pessoas tenham autonomia para participar do ambiente social.
“A jurisprudência pode até assegurar o direito ao casamento, mas essa jurisprudência não vai eliminar o preconceito do vizinho, do patrão, da família, da escola, ela não vai, digamos, acabar com o preconceito prático que essa pessoa possa vir a enfrentar” finalizou Gregory Souza.
* Estagiária sob supervisão do subeditor Humberto Santos
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