As recomendações para se proteger da fumaça que cobriu o país neste ano incluem: fechar portas e janelas; evitar atividades ao ar livre; e deixar o local afetado. Nada disso é opção para os bombeiros, que mesmo munidos de equipamentos de segurança, não deixam de se expor a riscos no curto e no longo prazo.
O Correio conversou com bombeiros que atuaram na linha de frente nesta temporada de queimadas, que pediram anonimato. Com a volta das chuvas, é preciso pensar em como evitar um cenário ainda mais grave no ano que vem, e isso passa por ter Corpos de Bombeiros equipados e com treinamento em dia – o que requer investimento.
Segundo os relatos coletados pela reportagem, é justamente isso que os protege dos riscos inerentes à profissão, como as chamas, quedas em valas durante operações noturnas, fumaça e até animais peçonhentos. Os ferimentos são, em geral, leves, mas é comum que os militares precisem se afastar por alguns dias para tratar desidratação, exaustão e problemas respiratórios.
“Ao combater incêndios florestais, os bombeiros enfrentam diversos riscos, seja os inerentes ao fogo, como exposição ao calor, queimaduras, problemas respiratórios, ou ainda os inerentes ao ambiente, como riscos de queda, entorse, luxação, queda de árvores ou galhos pesados, e até acidentes com animais peçonhentos ou agressivos”, conta o major Saul Ezrom de Miranda Xavier, médico e oficial do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás (CBMGO).
“Sem contar o risco de ficar perdido em algum ponto mais isolado quando a área a se combater é mais extensa e, por algum motivo, a navegação ficar prejudicada”, acrescenta.
Combates diferentes
Muita gente conhece a imagem dos bombeiros equipados com roupas pesadas, tanques de oxigênio, máscaras, capacete, mas esse tipo de Equipamento de Proteção Individual (EPI) é usado apenas em incêndios urbanos. Por exemplo, para entrar em um apartamento em chamas.
O combate às queimadas requer outra configuração. Fardas mais leves, mas com proteção contra o calor e as chamas. Também não é possível usar máscaras que filtram o ar, já que os bombeiros precisam andar por vários quilômetros carregando equipamentos pesados.
Uma bomba costal com borrifador, usada para resfriar o foco de incêndio, pesa 21 quilos. Um soprador, dezesseis quilos. “É uma balaclava na cabeça e a vontade de vencer”, disse um militar, referindo-se à touca que protege o rosto e deixa apenas os olhos de fora.
O combate também muda dependendo do bioma. No Cerrado, com vegetação seca e rasteira, as chamas ocorrem no nível do chão. Nesse cenário, é preciso apagar diretamente o fogo com os sopradores, então o trabalho dos bombeiros ocorre bem perto das chamas, com exposição direta à radiação, fogo e fumaça.
No Pantanal, porém, o acúmulo de matéria orgânica no solo faz com que o foco de incêndio se propague abaixo da superfície, e as chamas só ficam visíveis quando a situação está fora de controle. É preciso, portanto, evitar que o fogo se espalhe cavando trincheiras.
Treinamento é segurança
Além dos equipamentos, o treinamento também é ferramenta essencial para a segurança dos bombeiros. Nos Corpos de Bombeiros de Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais, Bahia, e outros estados, a instrução é feita no chamado Curso de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais (CPCIF), realizado todos os anos.
São dois meses de aulas e capacitação, e sete dias seguidos de acampamento, quando os alunos são expostos a duras condições de atividade física, cansaço, combate ao fogo, privação de sono, e uma série de outros exercícios que os preparam para enfrentar os desafios do combate real às queimadas.
Depois de formados, esses especialistas são convocados para atuar em incêndios florestais quando necessário, principalmente na época de seca. Segundo relato de um bombeiro do DF, o treinamento ajuda também a diminuir os riscos à saúde, aprendendo, por exemplo, a controlar a exposição à fumaça.
“Mas, às vezes, não tem como. É preciso botar a cara na fumaça para resolver logo. É da profissão”, comentou. Apesar do risco, ele garante que quem escolheu esse trabalho foi por vocação, e que os militares sempre se ajudam nas situações de risco. “A principal missão do bombeiro, a gente fala, é voltar para a casa bem”, afirmou.
“O treinamento e a capacitação, bem como o uso adequado dos equipamentos de proteção individual é o que temos de mais efetivo para reduzir os riscos à saúde dos bombeiros. Nesse sentido o CBMGO investe fortemente na atualização e preparação da tropa através de cursos de especialização e também na aquisição dos melhores recursos de proteção individual disponíveis no mercado”, reforçou o major Saul.
Ferimentos
Graças ao treinamento e à proteção, os ferimentos costumam, na maior parte, ser leves. Queimaduras não ocorrem com frequência. Porém, o risco é constante. Durante incêndio no Parque Nacional em setembro, que deixou a região norte do DF tomada por fumaça, dois bombeiros foram atingidos pelas chamas e encaminhados ao Hospital Regional da Asa Norte – referência em queimaduras. Os dois sofreram ferimentos leves.
“Os agravos à saúde mais comuns causados durante o combate aos incêndios florestais em nossa região são as afecções respiratórias, como agudização de quadros de asma brônquica, por exemplo, as tendinites de ombro pelo uso de abafadores e outros equipamentos, e as tendinites de joelho por conta do relevo. Isso sem falar na exaustão, intermação (aumento exagerado na temperatura corporal, acompanhada de inflamação) e insolação”, explica o major Saul.
Segundo a coordenadora médica do Pronto Socorro do Hospital Anchieta, Vivilian Muller, houve um aumento no número de atendimentos a bombeiros tanto na rede privada como na pública, nesta temporada de incêndios – considerada atípica por especialistas.
Contribui para isso a necessidade de convocar bombeiros que não possuem o treinamento específico para queimadas, e mesmo os que realizam atividades administrativas, devido à gravidade e aumento nos focos de incêndio neste ano.
“O que mais a gente recebe no pronto socorro são casos de desidratação. E como estamos em uma sazonalidade no Distrito Federal do rotavírus, acaba que eles ficam com a imunidade um pouco baixa e apresentam vômitos e diarreia”, conta a médica.
“E casos respiratórios por inalação de fumaça, mesmo usando o EPI. Mas há pouco dano no longo prazo. São processos respiratórios que têm tratamento. Ficam afastados sete, dez, no máximo quatorze dias. Todos eles geralmente têm muito boa saúde, passam por exames periódicos, fazem exercícios, se alimentam direitinho”, acrescenta.
O major Saul, por sua vez, reconhece o risco de algumas doenças no longo prazo, como quadros respiratórios crônicos pela exposição à fumaça, e câncer de pele pela exposição constante ao sol. “Mas esses riscos são mitigados com uma boa técnica e uso adequado dos equipamentos”, conclui.
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