Com o Dia das Crianças, comemorado neste sábado, o universo dos influencers mirins ganha ainda mais destaque. Crianças e adolescentes, antes consumidores de conteúdo, agora ocupam a posição de criadores, com a função de influenciar milhares de seguidores nas redes sociais.
Seja compartilhando sua rotina, seus hobbies, participando de campanhas publicitárias ou explicando suas paixões, esses teens conquistam cada vez mais espaço no mundo digital. Entre elas, estão duas jovens que conquistaram o público de formas inusitadas. Uma, apaixonada pela Polícia Militar desde muito cedo, virou sensação nas redes ao compartilhar sua admiração pela profissão. A outra, fascinada por finanças, começou a ensinar sobre economia ainda criança e já é reconhecida por seu trabalho educativo.
Entretanto, nem tudo são flores, psicólogas explicam se existe uma forma saudável de produção de conteúdo infantil e quando perceber que essa brincadeira está passando dos limites.
Liana e Sophia Comin (capitaosophia.ofical)
Sophia Comin, com 12 anos de idade e mais de 50 mil seguidores no Instagram, é conhecida como "Capitão Sophia". Sua jornada nas redes sociais começou de forma inusitada: quando tinha pouco mais de 2 anos, pediu uma festa temática de Policial Militar, fascinada pelos anúncios de TV. Enquanto outras meninas escolhiam temas de princesas, Sophia escolheu a farda. A partir de uma foto fardada, quase uma década atrás, sua vida de influenciadora digital deslanchou. Hoje, com posts sobre estilo de vida e seu dia a dia, ela conquista seus seguidores com simpatia e naturalidade, recebendo muito carinho e admiração.
Sophia concilia os estudos com as publicidades e, segundo a mãe Liana Comin, a escola está sempre em primeiro lugar. “Horário de escola é horário de escola, semana de estudo é semana de estudo. Nós não gravamos quando Sophia está em semana de prova, não marcamos nada, não tem evento e nem publicidade, priorizamos que ela estude. Tirando isso, o tempo livre que ela tem a gente usa para brincar, gravar, mas sempre tentando equilibrar para não exigir tanto dela”, conta a mãe.
Liana explica que a escolha dos temas dos vídeos é feita em conjunto, com a participação ativa de Sophia e dos pais em todo o processo criativo. A família sempre seleciona conteúdos que reflitam seus valores e visão de mundo. Além disso, Sophia, que recentemente descobriu uma perda auditiva moderadamente severa, usa sua plataforma para levantar a bandeira contra o preconceito e o capacitismo. Segundo Liana, foi a própria menina que expressou o desejo de falar sobre a deficiência auditiva, e esse debate tem gerado resultados positivos.
“Já teve gente que veio nos procurar falando que o filho não queria usar o aparelho auditivo, mas viu a Sophia e quis começar a usar, a fonoaudióloga dela usa ela como exemplo. É uma adaptação complicada, é como aprender a ouvir de novo.”
Sophia, animada, revela que sua parte favorita nas gravações são os erros de bastidores, que sempre rendem boas risadas. Quando o assunto são os comentários desagradáveis, os famosos "haters", Sophia compartilha como lida com essas situações, mantendo sempre o bom humor.
“Meus pais sempre filtram o que chega até a mim através das minhas redes sociais. teve uma vez que um seguidor colocou nas minhas redes coisas uma frase capacitista por conta da minha perda auditiva, eu fiquei chateada na hora, mas tirei de letra. Eu tenho uma ótima equipe por trás de mim,bons médicos e pais que me apoiam e me explicam a situação para que, se acaso aconteça uma situação como essa novamente, eu saiba lidar com ela, mas no geral eu sempre recebo coisas positivas”
Maria Luiza Lira (@malu.financas) e Danivania Lira
Maria Luiza Lira, com apenas 14 anos, já acumula quase 53 mil seguidores nas redes sociais. A jovem amazonense é escritora, palestrante e porta-voz da Me Poupe! (plataforma nas redes que busca ensinar sobre finanças e economia) levando educação financeira para crianças e adolescentes. Desde cedo, sua curiosidade por finanças a destacou, começando seus estudos aos 11 anos, inspirada por vídeos da Me Poupe!. Nesse mesmo ano, ela publicou seu primeiro livro. Hoje, com 15 obras lançadas, todas voltadas para o ensino de educação financeira infantil, também lidera o projeto “Malu Finanças na Escola”, que já impacta mais de 100 escolas no Brasil, ajudando crianças, pais, professores e gestores a entenderem melhor o mundo das finanças.
Malu conta que até o sucesso nas redes parece meio irreal e garante que aconteceu da forma mais natural possível. Seu interesse por assuntos financeiros veio precoce, mas acompanhado com a vontade de ser ouvida. Malu é capaz de explicar temas complexos nas redes sociais com a simplicidade de uma brincadeira, como ensinar sobre a taxa selic com bonecos lego e explicar sobre ações da bolsa com massinha de modelar.
“Sinceramente, até hoje me parece meio irreal. Quando comecei a gravar esses conteúdos, eu tinha 9 anos e justamente porque, apesar de falar sobre a importância da educação financeira com os meus colegas, eu ainda não era ouvida. Sempre que paro para pensar em como Deus permitiu que eu pudesse atingir tantas crianças e suas famílias com o meu propósito, só consigo me sentir honrada por essa oportunidade e orgulhosa da pequena Malu, que começou lá atrás e hoje pode inspirar outras "Maluzinhas" por aí” , explica a influencer mirim.
Danivania Lira, mãe de Maria Luiza, explica que, apesar de não participar ativamente na sugestão de pauta dos vídeos gravados pela filha, garante que a prioridade da menina é a escola. A mãe da influencer conta que a ideia de gravar vídeos veio da paixão por economia e que, apesar de não terem sido convencidos imediatamente a deixar Malu gravar os vídeos, com medo da exposição da internet, Maria foi determinada em achar alguma forma de convencer seus pais.
“Malu sempre foi muito determinada e insistente no que queria. Quando nos mudamos para Manaus, ela começou a ter acesso à internet e assistiu a vídeos sobre finanças e empreendedorismo. Logo quis abrir uma conta no Instagram e no YouTube, mas inicialmente não permitimos por considerarmos perigoso e pela exposição que isso traria. No entanto, ela encontrou uma maneira de nos convencer: gravou um vídeo no aniversário do pai dela, e então percebemos que ela realmente tinha condições de influenciar outras pessoas pela internet.” explicou a mãe.
Maria Luiza explica que tem uma rotina agitada para comportar todas as tarefas e afazeres na rotina, mas que cronograma e disciplina é essencial. Estudante pela manhã, criadora de conteúdo pela parte tarde, ela ainda relaciona as 24 horas do dia com aulas de judô, arco e flecha. Com todo esse tempo ocupada, Malu conta que tem pouco tempo para se dedicar aos comentários de ódio e que evita sempre que pode vê-los, mas que comentários positivos são sempre bem vindos e que a incentivam a continuar.
“Normalmente evito lê-los, não desejo me tornar alguém dependente das opiniões de outras pessoas. Sempre dá uma aquecida no meu coração e uma motivação para continuar toda vez que leio os comentários de pais agradecendo pelos conteúdos que permitiram que eles trouxessem educação financeira para dentro de casa, jovens compartilhando suas experiências com o dinheiro e como começaram a empreender pensando em se preparar para o futuro, e relatos de crianças contando sobre seus sonhos e pedindo conselhos para alcançá-los. Essas mensagens me inspiram a continuar”, diz Maria Luiza.
A brincadeira está passando dos limites?
A educadora parental Priscilla Montes explica que é preciso cautela. Apesar de não existir uma idade específica, é aconselhável que quanto mais tarde a criança for exposta nas redes sociais, melhor. A educadora alerta sobre os possíveis impactos no desenvolvimento e a importância de uma boa rede de apoio familiar, além de tempo sem telas.
Os maiores impactos são, sem dúvida, a adultização da infância, o acesso à linguagem e termos não para idade, pressão de performar e agradar a audiência e prejudicar a construção da autoestima (...) É muito importante um acompanhamento para os pais. Para que eles aprendam, entendam e saibam gerenciar preservando a criança. Os pais são guardiões e responsáveis pelos seus filhos e guardiões dos seus limites. Ter hora para utilizar e gravar, estabelecer uma rotina, avaliar o conteúdo e não jogar em cima da criança a responsabilidade de monetizar com o trabalho.” explicou Priscilla.
A psicóloga clínica especializada em comportamento estudantil, Raquel Mazini, defende que é importante perceber os porque as crianças querem se tornar influenciadoras e que isso pode estar atrelado a um contexto de uso excessivo de redes sociais e internet. Para a psicóloga, também é importante perceber se a vontade é realmente da criança ou se foi plantada nela por pais ou tutores.
“É importante observar quais são os motivos que levam a criança a querer ser uma influenciadora. Em geral, crianças que têm esse desejo vêm de contextos em que o uso da internet é liberado de forma muito ampla, a criança usa tanto as redes sociais a ponto que tem o meta de vida ser como a daquele influenciador adulto (...) é necessário criar uma rotina saudável de onde a prioridade é assegurar à criança e oferecer apoio socioemocional., que ela esteja cercada de adultos e amigos que a amem independente do que ela poste”.
*Estagiária sob a supervisão de Edla Lula
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