Patrimônio ambiental fortemente atingido pelas queimadas, mas sem a mesma visibilidade da Amazônia, o Cerrado tem sido, nos últimos dias, objeto de uma mobilização para sensibilizar as autoridades brasileiras. E quem está à frente dessa causa é a academia. Dirigentes de universidades, pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e membros da sociedade civil têm participado de encontros com o alto escalão da República, além de manifestar a profunda preocupação com a devastação do Cerrado, bioma que está presente em 25% do território nacional e se estende pelo Distrito Federal e por 10 estados da Federação.
Na última terça-feira, professores da Universidade de Brasília (UnB) protocolaram, no gabinete do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, a Carta de Brasília 2024 em Defesa do Cerrado. O documento tem 44 signatários de redes e associações científicas, bem como entidades do terceiro setor. Assinam a carta em defesa do bioma a Rede Biota Cerrado, Instituto Araguaia, Instituto Cerrados e Sociedade Brasileira de Zoologia.
A carta alerta que o Cerrado "é um dos biomas mais negligenciados do Brasil". "É nele onde, infelizmente, ocorre a maior taxa de desmatamento há décadas. A importância do Cerrado é negligenciada", prossegue o documento. Ainda segundo o manifesto entregue ao presidente do STF, o "desmatamento desenfreado do Cerrado e os incêndios criminosos terão preço altíssimo para a saúde, a economia e o bem-estar da população brasileira, atualmente e no futuro".
Na quarta-feira, Dia Nacional do Cerrado, os defensores do bioma avançaram em outra frente. Um grupo formado por reitores e reitoras de universidades se reuniu com representantes do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. A intenção é formar o Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento Sustentável do Cerrado, a fim de fortalecer soluções científicas e tecnológicas para o desenvolvimento, a preservação e a recuperação do meio ambiente.
Professora da UnB e integrante do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), Mercedes Bustamante ressalta que "é preciso avançar em estratégias de inteligência territorial e financeira para barrar o desmatamento e indicar estratégias de restauração adequada". Para ela, "também precisamos avaliar e utilizar os múltiplos processos e contribuições naturais do Cerrado para gerar novas políticas de desenvolvimento que não perpetuem modelos predatórios. Por fim, temos que entender como manter a resiliência do bioma frente à mudança do clima," conclui.
De acordo com o MapBiomas, em agosto de 2024, o Cerrado foi o bioma mais afetado por queimadas, com cerca de 2.4 milhões de hectares atingidos, seguido pela Amazônia com pouco mais de 2 milhões e o Pantanal com 647 mil hectares afetados. O valor apresentado é 177% maior em relação ao mesmo período do ano anterior, quando o cerrado sofreu com 881 mil hectares queimados.
"Se seguirmos na mesma velocidade de destruição de áreas naturais, o futuro próximo do Cerrado não é positivo. O tempo é hoje uma variável muito importante e já estamos atrasados em tomar as decisões corretas mesmo conhecendo cada vez mais sobre o bioma", alerta Bustamante.
Participante ativa do movimento em defesa do Cerrado, a bióloga e professora do Departamento e da Pós-Graduação em Ecologia na UnB. Isabel Schmidt, acredita que a informação científica e qualificada é uma aliada poderosa para preservar o bioma. "O Coração das Águas do Brasil, a savana mais biodiversa do mundo é também a mais ameaçada, invisibilizada e desmatada de todas as savanas e de todos os biomas brasileiros", escreveu a acadêmica, em artigo publicado esta semana.
"Acredito que boa parte do descaso que a sociedade e os governos brasileiros têm com o Cerrado vem da falta de conhecimento. Conhecimento técnico-científico, mas também conhecimento afetivo, aquele que traz intimidade, vontade de conviver, o conhecimento que temos de nossos amigos queridos", sustenta.
- Leia também: 2024 é um dos piores anos de seca no DF, diz Inmet
Chapada dos Veadeiros
O engajamento da UnB na defesa do Cerrado não ocorre somente nos gabinetes; também está presente no front. Com sede em Alto Paraíso (GO), o Centro UnB Cerrado combate incêndios do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (PNCV), que teve a área devastada pelo fogo há uma semana. O incêndio destruiu mais de 10 mil hectares. Brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do PrevFogo Ibama e voluntários atuam 24h por dia no combate às chamas. Eles trabalham por terra e pelo ar, com dois aviões e um helicóptero para apoio das equipes.
Mais de 120 profissionais estão envolvidos na operação de socorro ao bioma. Seja na preservação da vegetação consumida pelas chamas, seja na sensibilização das autoridades federais, a luta pela defesa do Cerrado será longa, difícil e constante.
Colaborou Lara Machado*
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