Meio ambiente

No Dia do Cerrado, governo lança Comitê Nacional do Manejo Integrado do Fogo

O anúncio é feito um mês e meio após a criação da política nacional que regulamenta o uso do manejo integrado do fogo e expande a prática para estados, municípios e áreas privadas

No Dia do Cerrado, celebrado nesta quarta-feira (11/9), o governo federal instituiu o Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo por meio do Decreto n° 12.173, publicado hoje no Diário Oficial da União. O comitê terá representantes de ministérios e da sociedade civil em sua composição, incluindo quilombolas, povos indígenas, que estarão empenhados em combater e prevenir incêndios florestais.

A iniciativa é urgente na atual conjuntura em que o Brasil se encontra, onde mais da metade do território está coberto por fumaça de incêndios, com o maior número de registro em 14 anos.

Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), unidade vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), o Brasil já registrou 167,4 mil focos de incêndio este ano, e concentra 76% dos registros em toda a América Latina. Nos últimos dias, o Cerrado registrou mais focos do que os outros biomas, sendo o segundo bioma mais afetado no país, atrás apenas da Amazônia. Segundo o MapBiomas, em 2023, o Cerrado ultrapassou a Amazônia em números de área desmatada. Os dois biomas concentram 85% da área desmatada no Brasil.

Na tentativa de mudar essa realidade, o Comitê Nacional surge como um desmembramento da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PNMIF), por meio da Lei nº 14.944 de 31 de julho de 2024. O grupo auxiliará na proposição de normas para a PNMIF e na expansão da prática de combate e prevenção a incêndios realizados através do Manejo Integrado do Fogo (MIF). As atividades do comitê serão consideradas como prestação de serviço público, portanto não remuneradas, e contará com o trabalho voluntário comunitário. Essa é uma das formas encontradas pelo governo de ampliar a visibilidade e aumentar o número de brigadistas na luta contra o uso irresponsável do fogo.

O Correio havia adiantado a notícia na semana passada, em conversa com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). A formação do comitê começou a ser feita logo após o lançamento do Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PNMIF) pelo projeto de lei (PL) n° 1.818/2022. Segundo os especialistas em MIF entrevistados, o projeto ficou mais de seis anos em discussão até se tornar uma política nacional.

A PNMIF formaliza mecanismos de prevenção e combate a incêndios florestais em áreas públicas e particulares e na gestão de políticas públicas. Para implantar o MIF, ambientalistas, brigadistas e pesquisadores fazem uma análise da área considerando aspectos ecológicos, culturais, socioeconômicos de comunidades e ecossistemas, tendo o fogo como elemento central no planejamento.

A criação do comitê possibilita que o MIF alcance mais unidades da Federação, e chegue nos municípios e em áreas particulares, carentes de políticas publicas na área. Atualmente, o governo tem apenas o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) atuando no manejo integrado do fogo em cerca de 60 territórios, que abrangem áreas indígenas e unidades de conservação nacionais.

Já nos estados, poucos têm o MIF regulamentado. Entre eles, está o Tocantins, por meio do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins), o Mato Grosso do Sul, pelo Plano Estadual de Manejo Integrado do Fogo (PEMIF), instituído por meio do Decreto nº 15.654 de 2021, e São Paulo, com a Política Estadual de Manejo Integrado do Fogo, pela Lei nº 17.460 de 2021.

MIF

Uma pesquisa realizada com diversas universidade e institutos brasileiros no território indígena Kadiwéu, no Mato Grosso do Sul, que acompanhou a atividade do fogo na região por 18 anos, revelou que o uso do MIF reduziu a frequência de incêndios, em 80%, e o tamanho da área queimada, em 53%.

O MIF, ou Manejo Integrado do Fogo, é uma prática milenar praticada principalmente por povos originários, mas começou a ser utilizado de forma científica e institucionalizada nos anos 1950, nos Estados Unidos, e se expandiu pela Austrália e África do Sul, especialmente em regiões com vegetação savânica tropical e subtropicals. As ações do MIF incluem atividades de educação ambiental, orientação de boas práticas, campanhas de conscientização, e utilizam queimas prescritas e queimas controladas como ferramentas de prevenção em vegetação nativa contra incêndios.

"Numa área de vegetação nativa, quando o fogo chega onde já foi queimado pela interferência do MIF, ele para por não ter mais 'combustível'", afirma Bruno Cambraia, analista ambiental do ICMBio, se referindo às práticas de queimas prescritas e controladas, que eliminam o acúmulo de material seco. O acúmulo desse material serve de “combustível” em incêndios florestais, por isso a importância em eliminá-los. O professor Danilo Bandini Ribeiro, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), especialista em MIF no Pantanal, ressalta, por sua vez, que esse acompanhamento é feito “sempre com apoio dos brigadistas que vão conduzindo essa queima”.

Esses brigadistas passam por treinamentos de especialização no MIF e possuem as ferramentas adequadas para seu uso. O analista ambiental do Ibama, Bruno Cambraia, que participa do recrutamento e leciona treinamentos para esses profissionais, relata que o número de brigadistas no país ainda é insuficiente para dar conta da demanda. O MMA informou ao Correio que há 1.468 brigadistas atuando no combate aos incêndios na Amazônia, onde 20,5 mil focos de foram registrados apenas nos 10 primeiros dias de setembro. Ou seja, a quantidade de profissionais corresponde a 7% do volume de pontos a socorrer.

“Existe a liberação de recurso, mas não tem efeito imediato. Contratar mais gente significa procurar mão de obra disponível, e nem sempre é simples”, explica Bruno. “Brigadistas precisam ser contratados para atuar prioritariamente com prevenção e não como resposta emergencial”, alerta. A expectativa é que o comitê possibilite a mudança desse cenário.

 

Carlos Vieira/CB -
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