Desde o início das investigações para descobrir as causas e motivações dos incêndios ocorridos nas cidades de São Paulo, sete homens com idades entre 26 e 76 anos foram identificados e detidos. Um deles foi acusado de atear fogo nas proximidades do município de Jales. O outro foi flagrado por começar o incêndio na região de mata de Rio Preto. Ambas ações foram filmadas por câmeras de segurança. Os outros cinco suspeitos levados ao cárcere fora acusados pelos incidentes registrados em Guaraci, São José do Rio Preto, Batatais e Salto. Outros dois homens foram multados em R$ 15 mil pela Polícia Militar Ambiental por acendem fogueiras alegando que era para limpeza da vegetação.
- Quase 100% dos incêndios em São Paulo foram causados por ação humana
- Governo federal suspeita de incêndios criminosos no país
Essas prisões indicam o enfrentamento a ações criminosas contra o meio ambiente. Mas especialistas ouvidos pelo Correio são de opinião que as consequências para tais atos são muito brandas. O advogado Nauê Bernardo de Azevedo, especialista em litígio estratégico do Observatório do Clima, rede que reúne entidades ambientalistas brasileiras, entende que a punição para crimes ambientais, como os de incêndio, é muito leve e insuficiente para desencorajar esses crimes.
“É preciso ter punição mais rígida, e que ela seja feita em todas as esferas, não só penalmente, mas também na esfera civil e administrativa, para além da ambiental”, opina. Segundo Nauê, para fortalecer as estruturas de investigação, os órgãos ambientais devem ser melhor aparelhados e as penas precisam de ser aplicáveis efetivamente, de forma a chegar nos responsáveis pelos crimes, não só no pequeno, mas também nos grandes fazendeiros e grandes empresários que se beneficiam desse tipo de prática.
Ainda mais quente
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 5.281 pontos de fogo de 1º de janeiro a 26 de agosto desse ano em seus satélites de monitoramento. Em 2023, para o mesmo período, o número era de 1.104. Um aumento de 378%. O chefe do Programa Queimadas do Inpe, Fabiano Morelli, explica que, em alguns estados brasileiros, o mês de agosto registrou uma escassez de chuva, com precipitações abaixo da média histórica, e temperaturas acima da média, chegando a exceder 5 graus Celsius. “As condições meteorológicas observadas esse ano favoreceram muito a propagação do fogo, principalmente em agosto”, afirmou.
Os 11 satélites de monitoramento utilizados pelo Inpe mostraram que os pontos marcados pelo fogo no mapa de São Paulo passaram de 10 para 1.000 em um intervalo de 13 dias. Na comparação entre o dia 10 e o dia 23, o número de focos foi 100 vezes maior, resultando na fumaça que encobriu o último fim de semana.
Nos dias mais críticos, como os do último fim de semana, o Inpe registrou as temperaturas mais altas, especialmente na região de Ribeirão Preto, afirma Morelli. "Quando comparamos as variações diárias das temperaturas máxima e mínima e a ocorrência das queimadas, fica evidente esse aumento bastante expressivo nos dias 22 e 23, quando a temperatura superou os 35 graus", observa o especialista.
Amazônia e Cerrado
As queimadas em São Paulo se tornaram assunto nacional, particularmente porque a fumaça proveniente dos incêndios encobriu cidades inteiras — como Brasília no último domingo. Mas há meses biomas importantes — como a Amazônia e o Cerrado — evidenciam a gravidade da degradação ambiental que vem ocorrendo no país.
Segundo dados do Inpe, a Amazônia responde por 48,3% dos focos de incêndios registrados de 1º de janeiro a 28 de agosto deste ano. O Cerrado, por sua vez, acumulou 31,6% dos casos. Em número absolutos, a Amazônia contabilizou 56.053 focos, enquanto que o Cerrado chegou a 36.683 registros. No Brasil, os satélites registraram nesse período um total de 115.944 focos de incêndio.
Professora do departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), Isabel Schmidt alerta para o crônico problema de desmatamento. Ela explica por que o Cerrado é um bioma delicado e vulnerável, além de ter importância vital no contexto hidrográfico brasileiro. “O Cerrado funciona como a caixa d’água no Brasil. Das 11 nascentes dos principais rios do Brasil, 8 estão no Cerrado. O solo desse bioma funciona como uma esponja: ele absorve a água da chuva e distribui pelas raízes que, por serem longas, permitem que a água escorra mais profundamente", descreve.
A especialista analisa os impactos da monocultura nociva ao meio ambiente. "Se essas raízes são substituídas por raízes curtas, como as da soja e do milho, você muda o ciclo da água, e, consequentemente, provoca mudanças na intensidade das chuvas, impactando o ciclo de chuva do Brasil inteiro. Quando deixa de ter vegetação nativa, deixa de ter produção de água”, detalha Schmidt.
Daniel Borini Alves, professor do departamento de Geografia da Universidade do Estado do Pará, afirma haver uma "relação sólida" entre desmatamento e fogo. Esses dois fenômenos conjugados são conhecidos como "corte e queima". "As áreas florestais, em geral, são primeiro objeto de corte das madeiras de maior interesse econômico. As demais árvores são derrubadas e deixadas para secar até que, no final do período da seca, essas áreas são queimadas com o objetivo de consolidar esse desmatamento e transformar essa área em pastagens", descreve.
O pesquisador salienta particularidades na relação entre queimadas e desmatamento. "Não é possível afirmar que desmatamento e incêndios aumentam na mesma medida. Mas, pela existência de correlação positiva entre os dois, há sim uma tendência de termos maiores áreas queimadas nos anos em que ocorre mais desmatamento", diz.
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