Sistema prisional

Projeto do MDH formará advogados para atender mulheres negras presas

Projeto piloto do Ministério dos Direitos Humanos oferece especialização jurídica com o objetivo de combater erros processuais e violência estrutural. Iniciativa que teve início no Rio de Janeiro deve ser ampliada para todo o país

Um dos temas apontados como central em erros processuais, que têm levado inúmeros inocentes ao encarceramento, é o processo de investigação por reconhecimento fotográfico de suspeitos de delitos -  (crédito: Divulgação/ Alma Preta)
Um dos temas apontados como central em erros processuais, que têm levado inúmeros inocentes ao encarceramento, é o processo de investigação por reconhecimento fotográfico de suspeitos de delitos - (crédito: Divulgação/ Alma Preta)

Um projeto do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e da Universidade Federal Fluminense (UFF) quer formar advogados populares para atender mulheres negras encarceradas no sistema prisional brasileiro. A iniciativa piloto abrange inicialmente as cidades do Rio de Janeiro e Niterói, e contará com um investimento federal de R$ 1 milhão na primeira fase.

Ao Correio, o secretário Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Bruno Renato Teixeira, afirmou que o projeto visa combater as violências estruturais que vitimam as mulheres negras que vivem em privação de liberdade. Segundo ele, a ideia é ampliar a iniciativa para todo o país.

"É um projeto que se inicia na UFF, que já tem um núcleo de estudos e pesquisas em torno da violência e desassistência de pessoas em situação de vulnerabilidade no acesso à justiça. Será um trabalho de formação para jovens advogados no âmbito da execução penal. É um projeto modelo, mas a ideia é conseguir, no próximo ano, ampliar e levar essa experiência para outros estados do Brasil", conta.

No primeiro semestre, foram colocados em operação dois Centros de Referência em Acesso a Direitos e Administração de Conflitos (CRADAC). Esses centros farão a capacitação desses advogados. Um dos temas apontados como central em erros processuais, que têm levado inúmeros inocentes ao encarceramento, é o processo de investigação por reconhecimento fotográfico de suspeitos de delitos. A prática é criticada por especialistas em segurança pública.

Uma das responsáveis pela iniciativa dentro do Ministério, Bruna Martins Costa, da Coordenação-Geral de Segurança Pública e Direitos Humanos, aponta que o projeto contempla uma formação que usualmente é ignorada nos cursos universitários de direito. "A perspectiva formativa para advogados e advogadas negros demonstra preocupação com a qualificação desses profissionais em um segmento (execução penal e direito penal) pouco ensinado nos cursos de direito", destaca.

Apesar de aberta para toda a população, o diretor de Defesa dos Direitos Humanos da pasta, Felipe Biasoli, acredita que a formação de profissionais negros deve auxiliar na defesa desse segmento da população. "O processo de qualificação de advogados e advogadas negros também busca enfrentar o racismo estrutural, na medida em que oportuniza que pessoas de grupos historicamente vilipendiados possam ser protagonistas do próprio processo de enfrentamento dessas violências", afirma.

O secretário Bruno Renato Teixeira destaca que, apesar de não ter seletividade, haverá prioridade racial e de gênero. "Por óbvio a gente prioriza, como em todas as ações de processos seletivos do governo federal, que se observe as questões de gênero e raça. É um segmento da advocacia que, muitas vezes, não tem acesso a formação no âmbito das universidades públicas federais. Então nos critérios de seleção também serão observados cor, raça e gênero e, sobretudo, de condição social. Mas ele é aberto a todos os profissionais do direito", diz.

Alta procura

A formação jurídica, com a duração de um semestre, já teve a primeira seleção, com procura bem acima das 100 vagas oferecidas para a primeira turma. "A procura foi muito grande, de jovens advogados, de advogados populares, de advogados que já atuam em instituições que fazem esse trabalho, então há uma expectativa que no próximo ano a gente consiga ampliar esse número de vagas", ressalta Teixeira.

O projeto conta com a parceria do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), que já atua na formação de advogados para atuar oferecendo um atendimento humanizado com qualificação profissional para reduzir as desigualdades motivadas por gênero e raça no sistema prisional.

Também serão oferecidos outros dois cursos de extensão: "Estratégias jurídicas para os processos de execução da pena de mulheres encarceradas" e "Os desafios das nulidades da prova na prática processual penal: erros judiciários e atuação criminal em casos de reconhecimento de pessoas".

Cada um deles deve especializar e capacitar cerca de 30 profissionais, cada. Neste segundo semestre, também devem ser ofertados cursos no formato virtual e devem ser realizados, em outubro, como parte do projeto, mutirões em conjunto com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

Polarização

Questionado se a polarização política no país não poderia gerar muitas críticas ao projeto, em especial de grupos que apoiam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Teixeira apontou que o ministério não pode se pautar por essa questão. "Não cabe ao MDHC trabalhar na execução de um projeto pensando na polarização que o Brasil viveu. O recurso investido é insuficiente para atingir a grande massa carcerária desprovida de assistência jurídica", afirma.

"A gente não tem informação de desassistência entre as pessoas que foram presas no dia 8 de janeiro. Então, não há discrepância em priorizar essa parcela da população que ainda não tem advogados especialistas para atender na execução penal", completa o secretário.

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 29/07/2024 03:50
x