Urbanismo

Publicidade sob mira

Após veto do governador, grupo de trabalho elabora proposta para novo plano diretor de publicidade do Plano Piloto. Especialistas falam dos impactos negativos dos painéis de LED à paisagem urbana, ao meio ambiente e ao trânsito

 Barbosa, criador de sinalização, considera que totens são melhor opção -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Barbosa, criador de sinalização, considera que totens são melhor opção - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Duas semanas após o governador Ibaneis Rocha (MDB) vetar o projeto de alteração do Plano Diretor de Publicidade do Plano Piloto, o grupo de trabalho criado por ele para elaborar uma nova proposta sobre o tema teve a primeira reunião, e um próximo encontro está marcado para o fim deste mês. A ordem do chefe do Executivo local é que toda a proposta seja revisada. Especialistas ouvidos pelo Correio apontam para a necessidade de se olhar para o tema com o mesmo rigor de análise para o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB). Eles avaliaram que essa iniciativa também tem o poder de agredir a paisagem urbana e comprometer o título de Patrimônio da Humanidade.

"Vai revisar tudo. Vou aguardar as sugestões e depois decido como fica", disse Ibaneis ao Correio, em relação à análise que está a cargo da equipe que estabeleceu. Ela é formada por representantes da Secretaria de Governo, Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), do Instituto Brasília Ambiental, do Metrô-DF e do Departamento de Estradas e Rodagem (DER-DF).

A Secretaria de Governo, que coordena o grupo de trabalho, informou, na primeira reunião, levantamentos e estudos foram discutidos. O grupo deverá concluir seus trabalhos em 90 dias, podendo prorrogar essa entrega por mais 90. Após esse período, suas conclusões deverão ser entregues.

Consequências

Especialistas conversaram com o Correio sobre o impacto à paisagem urbana da capital com a instalação desenfreada de painéis de LED. O arquiteto Danilo Barbosa, responsável pelo projeto de sinalização de Brasília, sustentou que isso pode destruí-la. Ele lembrou que a legislação que dispõe sobre divulgação publicitária no Plano Piloto, Candangolândia, Cruzeiro e lagos Sul e Norte — a Lei nº 3035 de 2002 — permitia apenas a utilização de edifícios. Porém, segundo ele, alterações na lei permitiram que situações, anteriormente irregulares, passassem a ser aceitas.

Um exemplo citado por Barbosa é o painel de LED localizado na entrada da Asa Sul, visto por quem vem do Aeroporto JK sentido Plano. "Deveria haver um totem, a exemplo do que existe no início do Eixo Monumental — sentido Rodoferroviária-Plano —, e de outro que fica nas proximidades do CCBB, avisando aos motoristas que estão entrando em uma área que é patrimônio mundial", propôs. O arquiteto ainda alertou para a poluição visual causada pelos painéis eletrônicos. "Não sou contra a publicidade, mas já saiu do controle", lamentou.

O integrante do Conselho Superior do Instituto Arquitetos do Brasil (IAB), José Leme Galvão Júnior, defendeu a manutenção da Lei nº 3035/02. Ele considerou que essa norma precisa ser cumprida na prática. O urbanista também sustentou que cada instalação de painéis pela cidade deve ser analisada, a fim de averiguar se aquela interferência está dentro do que prevê a legislação. "Os painéis danificam uma paisagem pré-existente — que é protegida — e altera o tombamento. A legislação pode ser alterada, desde que seja aprovada pelo GDF e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)", ponderou.

Problemas

O especialista em Perícia, Auditoria e Gestão ambientais, Luciano Alencar, chamou a atenção para o impacto ambiental dos painéis luminosos. Ele disse que a instalação dessas telas deve ser avaliada a partir de diferentes critérios, sobretudo nos arredores de áreas verdes. "Um dos principais (aspectos) é o impacto na fauna, que inclui morcegos e pássaros em geral, guiados pela luz da Lua e das estrelas. A depender da intensidade de luminosidade, o painel pode desorientar esses animais, que são dispersores de sementes, o que acarreta a redução do espalhamento da flora e a diminuição da biodiversidade", explicou.

Alencar defendeu que áreas urbanas consolidadas recebam iluminação. O problema, contudo, segundo ele, está no impacto às áreas verdes, que oferecem serviços ecossistêmicos, como regulação do clima. "É preciso ter cuidado com a iluminação ao redor dessas áreas. Se houve danos ambientais, é preciso estudar formas de mitigá-los", ressaltou, acrescentado que 90% do território do DF está sob alguma proteção ambiental.

A professora da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em trânsito, Zuleide Feitosa, disse que uma iluminação adequada é a que permite segurança ao fluxo de veículos em vias sem luz natural. Segundo ela, estudos indicam que a luminância artificial, nesses locais, deve ser de até 2,0 cd/m². Cd significa candela, índice relativo à luz não natural. Acima disso há riscos para os condutores.

"Os painéis luminosos são capazes de exibir um potencial muito acima de 3,0 cd/m², o que influencia diretamente a capacidade visual dos motoristas. Dessa forma, eles sofrem em termos de redução da capacidade de reconhecimento, visão estreitada, percepção limitada de cores, percepção limitada do espaço e redução da capacidade de julgamento durante a condução", advertiu Zuleide.

  • Especialistas apontam que painéis de led trazem danos ao meio ambiente e têm níveis de luminância que colocam os motoristas em risco
    Especialistas apontam que painéis de led trazem danos ao meio ambiente e têm níveis de luminância que colocam os motoristas em risco Foto: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • a Ação popular aponta perigo da luminosidade no trânsito
    a Ação popular aponta perigo da luminosidade no trânsito Foto: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
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postado em 09/07/2024 00:01
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