Tragédia no Sul

Dois meses após o desastre, Rio Grande do Sul vive drama para retomar normalidade

Gaúchos relatam o que têm vivido e as dificuldades — materiais e psicológicas — para recuperar aquilo que foi levado pelas inundações

Ao completar dois meses da tragédia que devastou boa parte do Rio Grande do Sul, os gaúchos lutam para reconstruir a vida sob a permanente preocupação de que as chuvas intensas possam voltar — e com elas as enchentes, que devastaram patrimônios construídos com anos de trabalho.

O dia 3 de maio ficará para sempre marcado na memória da família de Francisco Paillo, de 66 anos. A inundação antes recuava e não atingia a casa da família, em Eldorado do Sul. Mas, dessa vez foi diferente: invadiu e destruiu todos os pertences dele e da mulher, Janete Willers, de 58 anos.

"Começamos a erguer as coisas, mas quando deu meio-dia, a água já estava pegando na cintura. A correnteza estava forte e se você não fosse forte o bastante, te levava rio abaixo", relata, salientando que a força do Rio Jacuí estava incontrolável.

Segundo Francisco, que é servidor da Companhia Riograndense de Saneamento, o pior momento foi quando toda sua família foi realocada em um abrigo onde diziam ter água limpa, banheiros, luz e colchões. Mas, ao chegarem, tratava-se de um galpão de uma empresa sem assistência alguma.

"Quebraram um portão de uma empresa para fazerem de abrigo. Era cada um por si. Não tinha água nem luz. Minha mulher estava com minha netinha de três anos no colo. Ela dormindo na inocência dela e minha mulher chorando", lembra, emocionado.

Além de estar fora de casa e recolhido a um local sem estrutura para abrigá-lo e à família, Francisco tinha outra preocupação: o medo de a casa ser invadida e saqueada. "A informação que a gente recebia era de que tinha um pessoal que, quando encontrava a casa sem ninguém, arrombava as portas e roubava tudo", afirma.

Tensão permanente

A luta para manter a população informada e segura foi a parte crítica da inundação, segundo a secretária de Segurança Pública de Pelotas, Cíntia Aires. O município demorou para ser atingido pelas águas devido ao relevo. Mas a tensão era permanente.

"A massa de ar diminuía o volume das águas em Pelotas, mas as levava para a outra margem da Lagoa dos Patos. A população tinha o entendimento de que poderia voltar às suas casas quando a água baixasse. A gente continuava alertando a não retornar porque o vento mudaria e a água voltaria com mais força. Foi o período mais crítico", explica Cíntia.

Além dos prejuízos materiais, a psicóloga Fernanda Bassani chama a atenção para os efeitos psicológicos de um trauma dessa magnitude. "Pesquisa da UFRGS com as pessoas que passaram pelas chuvas constatou que aumentaram os transtornos de depressão e ansiedade", observa, salientando que o trauma atinge, também, a saúde mental dos servidores que atuaram nas operações de salvamento nas enchentes.

"É importante dar atenção para a saúde mental desses desses profissionais, porque certamente foram também prejudicados", recomenda. (Com Pedro José*)

*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi

 

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