Educação e ciência

Pesquisadores desabafam sobre falta de incentivos e de postos de trabalho

Apesar do reajuste nas bolsas e da permissão para buscar outras fontes de renda, universitários relatam dificuldades para produzir ciência

A greve nas universidades federais, com dois meses de duração, trouxe à tona um debate sobre o estado da pesquisa científica no país. Durante as negociações com os grevistas, o governo federal anunciou recomposições salariais a partir de 2025 e novos investimentos para ampliação e custeio das instituições de ensino superior. A maior parte das medidas anunciadas foram direcionadas para a formação dos alunos e o trabalho dos professores em sala de aula. Mas o reforço às pesquisas científicas passou ao largo do debate.

Pesa a favor do governo, entretanto, que medidas importantes para o incentivo à pesquisa científicas foram tomadas no ano passado. Em fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou reajuste no valor de 258 mil bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Em termos percentuais, a recomposição sugere um incremento significativo. Alunos de mestrado e doutorado tiveram um reajuste de 40%, enquanto pós-doutorandos ganharam aumento de 25%. Bolsas para a iniciação científica tiveram um salto de 75% e de iniciação científica júnior subiram 200%. Com os reajustes, uma bolsa de mestrado subiu de R$ 1.500 para R$ 2.100 mensais. A remuneração para doutorado evoluiu de R$ 2.200 para R$ 3.100. E, no pós-doutorado, o auxílio passou de R$ 4.100 para R$ 5.200.

Falta de incentivo

Apesar dos esforços para melhorar a pesquisa científica, as queixas persistem. "Eu acho muito engraçado quando alguém fala 'se não tiver remuneração, quem vai se sentir motivado a fazer pesquisa e avançar o conhecimento?'. A pessoa que fala isso não tem a menor noção do que é ser pesquisador no Brasil. O salário do pesquisador nem se chama salário, se chama bolsa. E é uma esmola", desabafa Ricardo Valadares, 34 anos, pesquisador de economia criativa.

A psicóloga Paola Barros Delben, 40, também vê dificuldades. Para ela, a fragilidade financeira e a ausência de benefícios trabalhistas e previdenciários tornam a jornada do pesquisador uma saga de sacrifícios. "Você não pode ter carteira assinada nem ser registrado", queixa-se.

As carências no sistema de bolsas também impactam na qualidade de vida e na saúde mental dos pesquisadores. Muitos se veem obrigados a buscar outras fontes alternativas de renda, o que acaba comprometendo sua dedicação à pesquisa e resultando em jornadas exaustivas. "Trabalhos formais com expedientes de 30 ou 40 horas exigem mais 'horas extras' para a pesquisa", relata Paola Delben. O resultado disso é o surgimento de um fenômeno conhecido como "burnout acadêmico", caracterizado por sintomas depressivos e ansiosos decorrentes do estresse prolongado.

Contudo, alguns pesquisadores conseguem encontrar alternativas para equilibrar suas atividades de pesquisa com outras fontes de renda, enquanto lidam com a incerteza financeira ao avançar em suas áreas de estudo. A psicóloga, por exemplo, recorre a trabalhos autônomos como mentorias, consultorias e palestras.

Embora haja incentivos e prêmios disponíveis, muitas vezes esses reconhecimentos não são acompanhados de recursos financeiros adequados. "Aqui no Brasil é muito difícil isso acontecer, principalmente para os chamados 'pesquisadores em início de carreira'", observa Paola Delben. Essa falta de reconhecimento e recompensa financeira leva à desmotivação e ao êxodo de talentos para outros países.

Na avaliação da pesquisadora, o país corre o risco de perder seus melhores talentos para o exterior devido à falta de condições adequadas de trabalho e reconhecimento profissional. "O Brasil precisa entender que reconhecimentos são importantíssimos, mas precisamos de financiamento", completa a psicóloga.

 

Mais Lidas