Uma mulher vítima de estupro teve o acesso ao aborto legal negado em três hospitais públicos em São Paulo. Ela só descobriu a gravidez quando completou 24 semanas e teve que procurar ajuda da Defensoria Pública para conseguir acesso ao procedimento. Na terceira unidade de saúde onde a vítima tentou ser atendida, ela afirmou que foi obrigada a ouvir os batimentos cardíacos do feto.
"Como o atendimento estava agendado, achei que eu ia chegar e iam estar me esperando. O atendimento foi péssimo, tive que falar perto de pessoas e o pior de tudo foi precisar ouvir o coração do feto. Eu pedi para ele parar e tirar, levantei e saí da sala", relatou a mulher ao g1.
Segundo a mulher, a equipe médica do Hospital Municipal Tide Setubal tentou convencê-la a não realizar o aborto. "Me falaram para tentar segurar o neném até nove meses, que eles me dariam laqueadura, que iam cuidar de mim e me buscar para fazer a cirurgia e tudo mais. Eu fui embora para casa acabada, não sei nem explicar. Eu já estava pensando como fazer em casa sozinha porque eu não tinha condições", desabafou.
No Brasil, o aborto é permitido em três situações: se o feto for anencéfalo, se a gravidez representar risco de vida para a mãe ou se a gestação for fruto de estupro. A legislação brasileira não prevê um limite máximo para interromper a gravidez de forma legal. No entanto, alguns unidades de saúde se negam a realizar o procedimento previsto de lei. Além disso, tramita na Câmara o Projeto de Lei 1904/2024, que prevê equiparar o aborto após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio.
"Eu fiz o exame de sangue, fiz o ultrassom e passei na médica. Ela me falou que como a gestação estava muito avançada, eu teria que procurar outra unidade e ajuda na Defensoria. A médica só falou que não poderia fazer e pronto. Depois ela me encaminhou para assistente, e a assistente me disse que eu teria que procurar ajuda. Só me passaram o endereço da defensoria e eu fui por conta própria", citou a vítima de violência sexual.
A vítima só conseguiu realizar o aborto em outro estado. "A defensoria me falou sobre um projeto que entrou em contato comigo e explicou como seria feito em outro estado. Foi tudo muito rápido e muito bem explicado. Parecia que eu estava fora do Brasil. Foi ótimo. Desde a abordagem do começo, os exames. Foi muito respeitoso", disse a mulher.
A Defensoria Pública de São Paulo, por meio de seu Núcleo Especializado de Proteção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem), fez pedido de ingresso como amicus curiae na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1141, em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF).
"Esta ADPF traz a julgamento um dos temas mais importantes para a promoção e defesa dos direitos das mulheres e meninas no Brasil: a plena assistência à saúde de mulheres e meninas e a necessidade de remoção de barreiras administrativas, que têm sido impostas para obstar o integral exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. Dessa maneira, o Nudem entendeu ser imprescindível a participação na ação, levando à Corte casos de mulheres que tiveram o seu direito obstaculizado ou dificultado pela edição da Resolução resolução 2.378/2024 do CFM (Conselho Federal de Medicina)", disse o órgão ao Correio.
Em nota enviada ao Correio, a Secretaria Municipal de Saúde afirmou que a pasta "atende às demandas de procedimentos com determinação legal em observância à legislação em vigor e sem exceções, dentro das premissas de segurança e qualidade".
"A Secretaria Municipal da Saúde informa que o programa Aborto Legal está disponível em quatro hospitais municipais da capital. São eles: Hospital Municipal Dr. Cármino Caricchio (Tatuapé); Hospital Municipal Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha (Campo Limpo); Hospital Municipal Tide Setúbal; Hospital Municipal e Maternidade Prof. Mário Degni (Jardim Sarah). O Hospital da Mulher pertence à gestão estadual", disse.
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