O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou, ontem, que indicará uma deputada de centro para relatar o Projeto de Lei (PL) 1.904/24, que aumenta a pena para o aborto e o equipara ao homicídio. Ele afirmou que o texto não avançará sobre os casos previstos em lei — daí porque afirmou que designará alguém capaz de fazer alterações que resultem em um texto "equilibrado".
A pressão de amplos setores da sociedade fez com que ele desse um passo atrás para a matéria, cuja urgência de tramitação foi aprovada em apenas 24s, na sessão de quarta-feira. Dessa forma, o PL não precisa passar por nenhuma comissão.
O presidente da Câmara pautou a urgência proposta pelo deputado Eli Borges (PL-TO), líder da bancada evangélica. O projeto — cujo autor é o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), mas foi subscrito pela maioria da oposição — é uma reação à decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Ele derrubou norma do Conselho Federal de Medicina que proíbe a interrupção da gravidez por meio da assistolia fetal, mesmo em casos de estupro. A restrição imposta pelo CFM contraria o que diz o Código Penal.
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O tema vinha sendo julgado pelo plenário virtual do STF. Estava 1 x 1 — Moraes se manteve contrário à determinação e André Mendonça votou favoravelmente à norma do Conselho de Medicina. Porém, o ministro Nunes Marques pediu destaque, o que leva a matéria para o plenário físico da Corte. Não há previsão de quando será analisada.
Sóstenes afirmou ao Correio que se reunirá com Lira dia 18 para tratar do PL. Os deputados da oposição pressionam pela votação nos próximos dias.
Reações
O cabo de guerra ideológico, porém, se intensificou. Dessa vez, são os governistas que contam com a mobilização nas redes sociais e manifestações pelo país para que o projeto não vá adiante.
"Infelizmente, o projeto já está pronto para ser votado. Lira disse que escolheria uma relatora um pouco mais razoável, menos fundamentalista. Mas enquanto significar atacar as vítimas de violência sexual, e colocá-las no banco dos réus, não há projeto possível", enfatizou a deputada Sâmia Bonfim (PSol-SP). Segundo ela, em caso de aprovação, resta tentar barrar o PL no Senado ou recorrer ao STF.
"O projeto é inconstitucional, criminoso, fruto de uma moralidade que preserva dogmas enquanto condena mulheres e meninas. É uma moralidade fruto desse extremismo político que cresce no mundo e no Brasil", reforçou o deputado Pastor Henrique Vieira (PSol-RJ).
A oposição, por sua vez, não vê como o PL será votado sem os pontos colocados no texto. "Se alterar para retirar a barreira de 22 semanas, estará levando mulheres que querem abortar a dizer que foram vítimas de estupro. Hoje, o aborto é legalizado. Basta dizer que foi estuprada", argumentou o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), um dos 32 parlamentares que assinam o projeto.
"Aborto com mais de 22 meses será homicídio, feticídio. Quem é estuprada tem até 22 meses para praticar aborto, tempo suficiente", acrescentou o deputado Bibo Nunes (PL-RS), outro signatário do PL.
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Manifestações
Com o mote "Criança não é mãe, estuprador não é pai", houve manifestações contra o PL, ontem, em várias cidades — como Rio de Janeiro, São Paulo, Florianópolis, Recife, Manaus, Niterói (RJ), Pelotas (RS). Em Brasília, o protesto foi diante do Museu da República. O deputado distrital Gabriel Magno (PT) criticou a postura do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) — que disse que o projeto "não é matéria de interesse do governo".
"Não adianta se omitir nesse momento. Esse é um assunto do governo e é preciso que nossa base tensione para não permitir que avance. Tem que dizer com todas as letras: quem apoia esse PL está do lado dos estupradores", frisou.
Levando a filha Marina no colo, a jornalista Lívia Duarte, de 38 anos, disse que participava do ato "por um direito que minha filha possa ter garantido. E espero que ela nunca sofra violência e que precise recorrer a um aborto".
Há 32 anos no Distrito Federal, o belga Albert Ambelakiotis, 61, lamentou que "nesses últimos anos o Brasil tenha regredido em relação às pautas de costume". "(Os parlamentares) acham uma atrás da outra. Na França, há dois meses, colocaram na Constituição o direito ao aborto", lembrou.
A advogada Sara Coly, 38, observou que o PL é "absurdo, pois coloca as mulheres diante de um perigo que a gente não consegue mensurar. E a pessoa estuprada, a vítima, pode ter uma pena maior do que o algoz dela. Temos de nos posicionar".
No Rio de Janeiro, em frente à Câmara Municipal, na Cinelândia, um grupo de mulheres cercaram um pequeno caixão com flores e velas. E exibiam um cartaz com os dizeres: "Vovós em defesa de suas netas, bisnetas e contra o PL 1.904".
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