A Câmara dos Deputados analisa, hoje, a urgência do Projeto de Lei (PL) 1.904/24, que equipara o aborto ao homicídio simples. A matéria foi proposta pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e tem a coautoria de 32 parlamentares da oposição. A matéria altera quatro artigos do Código Penal para limitar o acesso à interrupção da gravidez — mesmo em casos de estupro.
Caso a urgência seja aprovada, o projeto poderá ser votado também hoje, sem necessidade de passar pelas comissões. A expectativa, segundo parlamentares ouvidos pelo Correio, é de que os deputados aprovem o requerimento. "Creio na aprovação. Precisamos de um Congresso que defenda a vida, jamais o feticídio", afirmou o deputado Bibo Nunes (PL-RS), um dos signatários do texto.
O projeto altera os artigos 124, 125, 126 e 128 do Código Penal, que tratam sobre crimes contra a vida. Os dispositivos estabelecem penas para o aborto praticado pela gestante ou por terceiros. Prevê, ainda, pena de até três anos no primeiro caso e de 10 nos episódios em que a interrupção da gestação for realizada sem o consentimento da grávida. Se a matéria — chamada pelos opositores de PL da Gravidez Infantil —, for aprovada, em ambos os casos a pena máxima para quem realizar um aborto passará de 10 para 20 anos.
Confronto
A investida da oposição é mais um confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF), que julga a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que descriminalizar o aborto. A Corte analisa, justamente, os artigos 124 e 126 do Código Penal. Em voto que registrou antes de se aposentar, a ministra Rosa Weber considerou que a punição de até três anos para a gestante que provocar o aborto em si mesma está em desacordo com a Constituição. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, pediu vistas e interrompeu o julgamento.
Ao assumir o comando da Corte, no início do ano, o ministro sinalizou que não pautaria a ADPF 442, pois, segundo ele, o Brasil não está pronto para debater a descriminalização. Na justificativa do PL, o deputado Sóstenes Cavalcante classifica como "falaciosa" a decisão de Rosa Weber. "Mas isso parece não importar aos seus promotores. Há uma agenda a cumprir e, para os argumentos, basta uma aparência de verdade", acusou.
A interrupção da gravidez voltou a ser debatida no STF quando o ministro Alexandre de Moraes, no mês passado, suspendeu a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe a assistolia fetal para a interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de estupro. No mesmo dia em que Moraes expediu a decisão, o PL da oposição foi protocolado na Câmara.
O requerimento de urgência estava na pauta do Plenário para a sessão de 5 de junho. Mas a votação não aconteceu devido à briga entre bolsonaristas e o deputado André Janones (Avante-MG), por causa do arquivamento, no Conselho de Ética, de um processo por rachadinha que poderia custar-lhe o mandato. Também pesou a internação, às pressas, da deputada Luiza Erundina (PSol-SP).
"Para a extrema direita, crianças sendo mães ou na cadeia, após sofrerem um estupro, devem ser a normalidade no Brasil. Os defensores do projeto querem que estupradores tenham direito de serem pais, enquanto colocam na cadeia crianças, mulheres e pessoas que sofreram a pior violência de suas vidas", criticou a deputada Erika Hilton (PSol-SP).
Campanha contrária
Organizações da sociedade civil lançaram, ontem, a campanha "Criança não é mãe", para pressionar lideranças e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), contra o PL 1.904. "Caso seja aprovado, o aborto por estupro acima de 22 semanas passará a ser totalmente proibido. As principais afetadas por esta mudança seriam crianças vítimas de estupro, cujos casos de abuso e consequentes gestações demoram a ser identificadas, levando a uma busca tardia pelos serviços de aborto legal", adverte nota do Centro Feminista de Estudos e Assessoria. A entidade e organizações feministas organizaram um abaixo-assinado, pelo site Criança Não é Mãe, para tentar impedir a votação.
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