Tragédia no Sul

Pesca é paralisada pelas enchentes no Rio Grande do Sul

Pescadores lamentam perdas e relatam que estão impedidos de seguir com a atividade devido à poluição e à falta de peixes. Presidente de sindicato estima que o valor de R$ 10 milhões não cobriria prejuízos à categoria

Cidades banhadas pela Lagoa dos Patos estão entre as mais afetadas  -  (crédito:  Gustavo Mansur/ Palácio Piratini)
Cidades banhadas pela Lagoa dos Patos estão entre as mais afetadas - (crédito: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini)

Capão da Canoa (RS) — Os pescadores gaúchos enfrentam uma crise da atividade econômica, em meio à maior tragédia ambiental vivida pelo estado. A pesca artesanal, de pequeno e médio porte, foi a mais prejudicada pelas enchentes deste ano e de 2023. Ao Correio, representantes do setor comentaram a situação nas águas doce e salgada neste momento.

"A pesca artesanal acaba sendo a mais impactada (pelas chuvas). Em São Lourenço, Rio Grande e Pelotas, por exemplo, há colônias totalmente envolvidas com essa atividade, e os prejuízos são significativos. A população ribeirinha que sobreviveu perdeu tudo. É uma tragédia. Nunca vi nada parecido", conta Torquato Pontes Neto, presidente do Sindicato da Indústria da Pesca, de Doces e de Conservas Alimentícias do Rio Grande do Sul (Sindipesca-RS).

As cidades citadas por ele são banhadas pela Lagoa dos Patos e inundaram devido à cheia do afluente, que recebeu o alto volume do Guaíba, na capital gaúcha, com recorde de 5,33 metros. Em Pelotas, por exemplo, uma das áreas mais atingidas pela enchente foi a Colônia Z3, na Praia do Laranjal, que é uma comunidade de pescadores.

A prefeita do município, Paula Mascarenhas (PSDB), acredita que, só no local, o prejuízo é de, pelo menos, R$ 12 milhões. O presidente do Sindipesca-RS concorda com a chefe do Executivo. Segundo ele, "R$ 10 milhões não resolveriam a situação". O impacto é sentido na pesca e comercialização de peixes de água doce, como camarão, bagre, papa-terra e traíra.

Na costa norte do estado, a pesca marítima sofre com a poluição do mar e a consequente falta de peixes, como tainha e anchova. "A gente não consegue mais pescar porque o mar não se ajeita mais e não tem como colocar as redes por causa do lixo. É uma quantidade grande de grama, boné, saco plástico, óculos... Da Lagoa dos Patos desceu tudo para o nosso mar. Está difícil pegar peixe neste ano", lamenta Carlos Roberto Fernandes, 54 anos, pescador de Capão da Canoa, no litoral norte.

O gaúcho avalia que, nas enchentes anteriores, a chuva não interferiu tanto na pesca como agora. "Eu trabalho com pesca há 30 anos e não tinha visto algo assim ainda, o mar não deixa a gente pescar. É uma ressaca atrás da outra, estou com a rede lá fora, mas está arrebentada por conta da força do mar", acrescenta o pescador. Toda a renda da família vem de uma peixaria que sofre em dose dupla, pela falta de peixe para vender e pela baixa demanda.

Segundo Carlos, grande parte dos compradores são da capital gaúcha e, com as enchentes, eles não têm ido em busca dos peixes: "A maioria das pessoas perdeu tudo". Ainda de acordo com ele, a estimativa de venda para o ano é de 1 tonelada e, em cinco meses, foram apenas 50 quilos vendidos. "Vai ser muito tempo para a gente se reequilibrar. Esse ano nós vamos patinar, só vamos começar a nos equilibrar no ano que vem", avalia.

Recuperação financeira

A situação crítica também é sentida por Rudinei Silva Nascimento, 45, pescador do litoral norte. "Estou trabalhando em outra atividade agora, porque não consigo pescar há 40 dias. O meu cabo de pesca rompeu com a força da água e não consigo entrar no mar. Perdi aproximadamente 88% da minha pesca embarcada", conta o gaúcho, que precisou começar a trabalhar na construção civil para se manter financeiramente.

Rudinei ainda conta que havia financiado um barco em 2023, após a boa safra em 2022, mas precisou prorrogar o pagamento para este ano devido aos prejuízos na sua atividade econômica. Para ele, desde as enchentes de novembro do ano passado, o mar começou a ficar muito ruim para a pesca. Carlos concorda com o colega.

"As pessoas não respeitam mais a natureza. Antes chovia direto, mas não tinha enchente porque tinha bastante verde. Os rios eram respeitados, o mar era respeitado", diz o pescador, que atribui a "culpa" da situação enfrentada à falta de cuidado com o meio ambiente.

Quanto à recuperação financeira, Torquato Neto afirma que o Ministério da Pesca e de Aquicultura o procurou para saber quais são as necessidades do setor. Ele diz que ainda não tem resposta, pois os pescadores estão em fase de levantamento das perdas materiais.Segundo ele, para a pesca artesanal será necessário desde a reconstrução das moradias, até o auxílio financeiro para recuperar os materiais de pesca.

Até o momento, o governo federal não anunciou nenhum aporte específico para pescadores afetados pelas enchentes, embora já tenha destinado verba para a recuperação da agricultura no estado.

 


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postado em 02/06/2024 03:50 / atualizado em 02/06/2024 12:00