O Brasil está ficando mais velho, e os cuidados com as pessoas idosas, menos eficientes. De acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a idade média do brasileiro passou para 35 anos em 2022, quando, em 2010, era de 29 anos. O salto exponencial de idade revela como o país envelhece em ritmo rápido, mas os cuidados com a população com mais de 60 anos não acompanham essa mudança no perfil populacional.
Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, até 14/4 deste ano, 42.995 denúncias e 250.332 violações contra a pessoa idosa foram recebidas pelo Disque 100, canal de registro de denúncias de violações contra os direitos humanos. Em comparação ao mesmo período do ano passado, o número de denúncias aumentou 28.1%, e de violações 25.6%. O Ministério reforça que uma denúncia pode haver mais de um tipo de violação, assim, por este motivo, o número de denúncias é menor do que o número de violações.
Em um recorte quantitativo, as violações de integridade e negligência contra os idosos são as mais recorrentes, com 17,51%, somando 39.082 violações nos primeiros três meses de 2024. O cenário escancara uma dura realidade vivenciada por idosos em todo o território brasileiro.
Na experiência de T.G., funcionária da área da saúde e que trabalha diretamente com idosos em situações de vulnerabilidade, é notável o aumento do número de casos de negligência e abandono. “Nós percebemos que eles estão nessa situação quando ele chega muito magro, com feridas. São complicações que, visivelmente, dá para perceber que há alguma coisa de errado”, explica a profissional, que pediu para não ter a identidade revelada.
Frente à situação, a funcionária analisa que a negligência parte também da esfera governamental. A demora de resposta dos núcleos voltados à ajuda das pessoas idosas, como a Central Judicial do Idoso e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), é um ponto crucial no processo de ajuda a aqueles que estão em situação de vulnerabilidade. “Já recebi respostas depois de seis meses. Os casos entram em demandas reprimidas, e o grande número de denúncias junto aos poucos funcionários acabam deixando os casos para trás e quando vão resolver, já não dá mais”, relata.
“Essa é uma questão estrutural. Nós estamos vendo a ponta do problema”, ressalta. Em seu entendimento, tudo o que já existe no papel é funcional, mas, na prática, as coisas não funcionam do jeito que deveriam.
Em resposta aos depoimentos, a Secretaria de Desenvolvimento Social do Distrito Federal (Sedes-DF) informa que é responsável somente pelos Creas. “Os Creas atendem pessoas idosas e outros públicos em situação de violação de direitos, de violência, abandono. Portanto, não é possível aferir a demanda exata pelo serviço por pessoas idosas, pois são territórios com peculiaridades e questões diversas no DF, que, inclusive, não envolvem só idosos”, explicou a pasta em nota ao Correio. O órgão distrital informou que “não há demanda reprimida”.
Impacto familiar
Para especialistas, o contexto de violência contra idosos não se limita à situação das vítimas. Na visão do Secretário Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa do MDHC, Alexandre da Silva, o problema também envolve a família. “Uma situação muito corriqueira é a sobrecarga e o adoecimento de quem cuida”, observa.
No entendimento da assistente social e especialista em política social Erci Ribeiro, os casos de negligência contra pessoas idosas estão relacionados a fatores interseccionais de classe, raça e gênero. “Quando se trata de territórios vulneráveis, a questão de prover os cuidados dessas pessoas idosas recaem sobre a possibilidade de terceirização desses cuidados, ou então, permanência, principalmente de mulheres, para efetivar esses cuidados, seja qual for o laço de parentesco”, explica a especialista.
“É importante destacar que as medidas de prevenção são necessárias, e que possa o Estado suprir e ofertar serviços nos locais onde as regiões que sejam territórios vulneráveis que exijam apoio e suporte do setor público", ressalta Ribeiro. Ela considera relevante, ainda, "ter uma equipe interdisciplinar para intervenções na família também em relação à pessoa idosa, porque atender exclusivamente a pessoa idosa distanciada da dinâmica familiar poderá contribuir com situações de negligência”.
Alexandre da Silva acredita que a mudança desse cenário começa com uma mudança cultural. de modo que a sociedade valorize mais a terceira idade. “Isso começa com uma transformação cultural, de retomar o protagonismo da pessoa idosa”, afirma.
O secretário acredita que é necessário disseminar quais violações podem ser cometidas contra os idosos, para que assim tanto o próprio idoso como aqueles que estão ao seu redor conheçam os perigos e não compactuem com essa realidade.
“São uma série de ações de enfrentamento ao idadismo, que é a discriminação a partir da idade, que vão desde você orientar a pessoa idosa da forma como ela é chamada até a atenção a não emprestar o nome para empréstimos ou compra de bens que não são voltados para ela”, reitera o secretário.
Ações governamentais
“Dentro da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, que está dentro do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, a gente tem que garantir o direito e a não violação dos direitos”, reforça Alexandre. Ele salienta que hoje há a criação de uma rede de gestores estaduais agem na pauta da pessoa idosa. “Estou enaltecendo a rede de gestores porque essa rede estadual dialoga com a rede municipal, nisso a gente vai transmitindo, através da rede, as ações de enfrentamento como o que é violência, forma de fazer denúncia, forma de encaminhar as denúncias”, acrescenta.
Outra ação importante é a retomada do papel dos conselhos nacionais, estaduais e municipais que agem na resolução de denúncias. “Essas duas ações, por exemplo, têm como metas principais tirar, de forma responsável, ética e respeitosa, a pessoa idosa desse local onde está acontecendo a violência, e caso ela queira voltar, criar condições de retorno”, analisa o secretário.
Conversas com o Ministério da Saúde também estão encaminhadas, na tentativa de formar frentes conjuntas de enfrentamento ao problema no Brasil. “A gente teve uma conversa para pautar essas ações, serviços, equipamentos que vão, no caso da saúde, olhar para a saúde da pessoa idosa e cuidar de quem cuida”, reforça. Detalhes sobre os assuntos tratados entre os dois ministérios não foram revelados.
Disque 100
O Disque 100 é um canal fundamental para denúncias. O atendimento 24 horas funciona nos sete dias da semana e registra denúncias de violações, dissemina informações e orienta sobre a política de direitos humanos. “O canal pode ser acionado por meio de ligação gratuita — discando 100 em qualquer aparelho telefônico. Pela internet, as denúncias podem ser feitas no site da Ouvidoria, pelo WhatsApp (61) 99611-0100 ou Telegram. O serviço também dispõe de atendimento na Língua Brasileira de Sinais (Libras), no site da Ouvidoria”, reforça o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
*Estagiária sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza