Porto Alegre — Para o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, a inundação que deixou boa parte do Rio Grande do Sul debaixo d'água poderia ser de menor intensidade caso um plano de prevenção que vinha sendo estudado nos governos Lula I e II e de Dilma Rousseff não tivesse sido paralisado a partir do impeachment da ex-presidente. "Nos dois primeiros mandatos do presidente Lula, depois com a presidente Dilma, vinha se trabalhando fortemente na política de prevenção. Acontece que, depois que ela saiu, foi abandonada", lembra. Goes, porém, prefere não apontar culpados pela tragédia e é mais um a propor que o momento atual deve ser republicano, com governo federal, estadual e prefeituras gaúchas se apoiando mutuamente na busca de soluções e na reconstrução do estado. E assegura que não faltarão recursos da União no trabalho para reerguer o Rio Grande do Sul. A seguir, os principais pontos da entrevista.
Em recente entrevista ao Correio, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, disse que a responsabilidade sobre as cheias deve ser da União. O que o senhor pensa disso?
Nos dois primeiros mandatos do presidente Lula, depois com a presidente Dilma, vinha se trabalhando fortemente na política de prevenção. Acontece que, depois que ela saiu, foi abandonada. O presidente Lula voltou e recriou o Ministério das Cidades. Essa parte habitacional, de macrodrenagem e de proteção de encostas foi retomada, mas vivemos uma realidade que se acumulou muito no tempo. Assim, o número de pessoas vivendo em área de alto e altíssimo risco é enorme. Conseguimos identificar que mais de 11 milhões de pessoas vivem nessas áreas, mas não se resolve o problema delas em dois anos ou em um mandato. Para a região de Porto Alegre, tínhamos projetos de ampliar a capacidade de prevenção, que foram abandonados depois do impeachment da presidente Dilma. Agora, o presidente Lula vai retomar. Não é, necessariamente, se (a responsabilidade) vai ficar com o governo federal, estadual ou municipal. O que é importante é retomar a prevenção, ouvir os governadores e escolher seus projetos prioritários, como fizemos com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
O sistema de proteção em Porto Alegre falhou?
A água não passou por cima da contenção, só que como o sistema não estava em dia com a manutenção, falhou. Mas teve também água que entrou pelos outros canais, pelas rachaduras do sistema e, depois, foi tomando conta da cidade. Em Canoas, rompeu o dique de contenção — lá a água ultrapassou o limite, passou por cima e rompeu. Em muitos casos isso aconteceu. Obviamente, se esses sistemas estivessem todos em funcionamento, em dia, poderiam ter tido uma resposta diferente — não resta a menor dúvida. Mas, agora, o nosso foco é resolver os problemas. E não se resolve sem a união dos esforços de todos os atores.
É a maior tragédia que o país teve?
Sim, é a maior. Por isso que faço questão de deixar claro que não tem como saber quanto é que vai ser investido. O presidente Lula criou todas as condições para dar a resposta. Agora, o valor (para o enfrentamento da tragédia e a reconstrução do estado) a gente tem que ter um tempo para saber. O primeiro trabalho é a retirada da água de dentro das cidades, em especial aqui na região metropolitana. Estamos mobilizando equipamentos de várias partes: a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), equipes do Ceará, de Alagoas... Agora, a Petrobras vai ajudar com bombas. Estamos em contato com Pernambuco, a gente está buscando bombas de todos os lugares. Temos a previsão, em Canoas, de que botando para funcionar tudo que já temos, ainda precisamos de, ao menos, 15 dias para tirar toda aquela água de dentro da cidade. Tirou a água, tem que limpar. Quanto ao aeroporto (Salgado Filho), ainda vai levar tempo — não sei precisar quanto. Mas já se está buscando uma estratégia com vários voos sendo anunciados pelo ministro Silvio (Costa Filho). Já foram 81 voos regionais e 39 voos semanais, que vão operar na Base Aérea de Canoas. Muitas providências foram adotadas para abastecer o estado com bens essenciais.
O ministro Paulo Pimenta foi muito criticado por ter sido indicado pelo presidente Lula para coordenar esse trabalho de assistência e reconstrução do estado...
Ele tem a missão de representar o governo Lula, unindo todos os esforços e conduzindo tudo que é de competência federal. Orientado pelo presidente Lula, ele, primeiro, deve unir o governo federal em torno dessa missão. Há ações transversais em quase todos os ministérios — tem os mais recorrentes, como Integração, Saúde, Educação, Social, Comunicação, Energia, Transporte, mas tem também a Agricultura, a Agricultura Familiar, a Pesca, além da Gestão, Planejamento e Fazenda, que tiveram que trabalhar intensamente. Primeiro, ele vai olhar todo o governo federal e depois fazer essa articulação com o estado que precisa, a cada dia, ser melhorada. O governo federal está garantindo a reconstrução do que é federal, mas no que é de municípios e do estado, precisa se sentar com o governador Eduardo (Leite) e com os prefeitos para definir como vai ser. Mas não vai ser a falta de orçamento, de retaguarda legal, de financiamento que vai impedir.
A eleição pode atrapalhar a ajuda ao estado?
Zero. Não tem a menor possibilidade da parte do presidente Lula, do ministro Pimenta, porque estamos alinhados com os prefeitos e com o governador. A mudança da gestão nas prefeituras não será um problema. Aquilo que for pactuado, e por isso é bom ir incluindo a academia, os órgãos de controle, de controle social, será cumprido. Acredito que tudo tem que ser considerado. Está na hora de todo mundo aceitar sentar-se à mesa e fazer as melhores escolhas, com a presença dos especialistas. Esse é o caminho certo. A gente não reconstrói o Rio Grande do Sul com voo solo de um prefeito, do governador ou do governo federal, ou mesmo dos empreendedores. Não terá um protagonista nessa ação, não tem espaço em situações como esta — precisamos de união e reconstrução. O presidente Lula deu um sinal muito forte do compromisso integral dele. Deixou a mensagem para o esforço que deveria ser feito em termos de República, assistindo as pessoas e reconstruindo o Rio Grande do Sul. Temos 11 hospitais de campanha aqui, milhares de recursos repassados para o estado e os municípios, mais de R$ 200 milhões só em resposta à saúde pública. Isso não será interrompido por nada.
Qual a estimativa de famílias abrigadas e desalojadas?
Passamos de 80 mil famílias em abrigos e desalojados são mais de 580 mil pessoas. Mas temos que aguardar o levantamento. Se fôssemos considerar que todas as 80 mil famílias abrigadas precisassem de casa, e você faz a média de três pessoas por família, seriam umas 30 mil casas. Só em um bairro que visitei em Canoas, temos 70 mil casas debaixo da água. Não sabemos quantas delas ainda vão servir. Vimos dezenas de moradias sem telhado, com parte da parede caída — isso olhando de fora, de cima, do muro de contenção. Esse cálculo só poderá ser feito depois que secarem as áreas e de uma visita de casa por casa.
E como encontrar essas casas?
O governo vai autorizar a quem a perdeu que procure um imóvel de até R$ 170 mil, para casas, e R$ 190 mil, para apartamentos, na compra assistida do Minha Casa Minha Vida. Essa é uma alternativa. Outra é fazer uma chamada das empresas que têm casas disponíveis. O governo federal ainda deve pegar todo o estoque que estava indo a leilão e disponibilizar para as pessoas que perderam as casas. Outras serão as empresas que estão construindo no estado — foram prospectadas cerca de 18 mil unidades. O governo federal vai segurar tudo isso para atender as famílias. Se tivesse, hoje, no Rio Grande do Sul, casas construídas que o governo federal pudesse comprar e entregar... Mas não tem.
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