Expressão de fé

Pentecostes: oração pelo fim da enchente a nove mil quilômetros do Sul

Mais de 1,5 mil brasileiros estão em Assis, na Itália, para celebrar o Pentecostes. Além de rezar pelas vítimas das enchentes no estado, eles ressaltam a importância de se promover ações concretas e de interromper a onda de agressões ambientais

Maria Salomé e padre Reginaldo Manzotti estão em Assis, para o congresso Pentecostes da Paz -  (crédito:  Ana Dubeux/CB/D.A Press)
Maria Salomé e padre Reginaldo Manzotti estão em Assis, para o congresso Pentecostes da Paz - (crédito: Ana Dubeux/CB/D.A Press)

Assis (Itália) — A mais de nove mil quilômetros do Rio Grande do Sul, uma legião de brasileiros está unida em oração pelo fim do dilúvio que arrasou o estado. Peregrinos de várias partes do mundo, muitos com alma verde e amarela, viajaram até a cidade italiana de Assis para participar do Pentecostes da Paz, hoje e amanhã. O evento integra a programação do Congresso Internacional de Pentecostes, que chega à 12ª edição. Tradicionalmente realizado na Terra Santa, o congresso foi transferido para a cidade natal de Francisco de Assis, um dos santos mais populares da Igreja Católica, em razão do conflito entre Hamas e o governo de Israel.

O propósito dos peregrinos é orar pela paz na região de conflito no Oriente Médio. Mas a tragédia no sul do Brasil se incorporou ao rosário dos peregrinos. “Estamos aqui rezando pela paz. Mas existem pessoas hoje, no Brasil, que estão passando por muitas dificuldades. E a gente não pode apenas rezar. A gente precisa de atos concretos”, diz Gilberto Barbosa, um dos fundadores da Comunidade Obra de Maria, que organiza o Pentecostes da Paz em parceria com a comunidade Canção Nova.

Barbosa acredita que todos podem contribuir na ajuda às vítimas da enchente, da maneira espiritual ou material. “A gente não pode simplesmente silenciar e ficar assistindo. Temos que fazer a nossa parte, que é contribuir. O Brasil é grande, é um país continental. Se todo mundo der a sua contribuição, logo vamos superar essa dificuldade”, conta Barbosa. Ele estima que 1.500 brasileiros estão na cidade de Assis, proveniente do Brasil e de outros países, como Estados Unidos, Angola, Bélgica, Alemanha, Portugal e Itália.

“Nunca vi tanta atrocidade nesse tempo. Então, resolvemos fazer o Pentecostes da Paz onde viveu aquela pessoa que mais espalhou a paz no mundo”, conta Maria Salomé, co-fundadora da Obra de Maria, referindo-se a São Francisco de Assis. “Esse era o lema dele: paz e bem. É por isso que estamos aqui”, explica a organizadora, na entrada da igreja Santa Maria dos Anjos.

Assim como Gilberto Barbosa, Maria Salomé ressalta que o apoio aos gaúchos precisa ir além das orações. E conta o exemplo pessoal. Após ver imagens chocantes dos gaúchos se jogando, “sem medo de leptospirose, sem medo de nada” nas águas contaminadas, a católica começou a indagar como poderia ajudar as vítimas. Lembrou-se de que tinha um baú repleto de casacos adquiridos ao longo das muitas peregrinações. Não pensou duas vezes: encheu três sacos pretos com as roupas de frio. “Não ficou nada dentro do baú”.

  • Afonso Celso e Maria José Queiroz, de Brasília e Verônica e César dos Estados Unidos
    Afonso Celso e Maria José Queiroz, de Brasília e Verônica e César dos Estados Unidos Ana Dubeux/CB/D.A Press
  • Turma de peregrinos de Brasília em visita ao Santuário de Cássia, na Itália
    Turma de peregrinos de Brasília em visita ao Santuário de Cássia, na Itália Ana Dubeux/CB/D.A Press

A Obra de Maria fez mais pelas vítimas da enchente. Em parceria com a Canção Nova, a entidade contratou dez carretas para transportar e distribuir água mineral às famílias atingidas pelas cheias. O custo da operação foi de R$ 40 mil e permitiu transportar 145 mil litros de água para o Sul. A Obra de Maria está organizada para ampliar a ajuda aos gaúchos e aceita doações via pix.

Maria Salomé afirma que, em momentos dramáticos como este no Rio Grande do Sul ou em outras partes do mundo, é preciso ir além da oração. É preciso fazer um gesto, por menor que seja. “É o dízimo, a gotinha de água que a gente pode dar”, ressalta a peregrina. Na terra de São Francisco de Assis, ela lembra uma história de Madre Teresa de Calcutá, outra personagem histórica conhecida pelo auxílio aos necessitados. “Um dia perguntaram a Madre Teresa de Calcutá: ‘Isso que você faz dá jeito?’. Ela disse: ‘O que eu faço é uma gotinha no oceano. Se cada um desse sua gotinha no oceano, seria diferente’”.

Wellington Jardim, vice-presidente da Fundação João Paulo II e conselheiro da comunidade Canção Nova, considera que os brasileiros estão dando um exemplo notório de solidariedade. Mas lembra que a tragédia no Sul traz um alerta eloquente sobre os equívocos que vêm sendo cometidos na relação com a natureza. “A solidariedade vai acontecer. O brasileiro está mostrando, cada vez mais, que ele ajuda a quem precisa. Mas há uma mensagem também que cada um de nós tem de rever, como brasileiro: o que eu posso fazer, mas também o que eu não posso fazer. Porque nós contribuímos também para que isso acontecesse”, afirma o religioso.

Jardim entende que é preciso refletir sobre o significado da tragédia ambiental no Sul. “A gente tem que parar e pensar. O Rio Grande do Sul vai começar do zero. Vai ser um estado novo, não tem jeito. E isso pode acontecer em qualquer estado, como São Paulo, do dia para noite. A gente tem que se rever. É a missão que Deus está nos dando e dizendo agora: brasileiro, reveja sua parte”, acredita o integrante da Canção Nova.

Na caravana religiosa brasileira, há muitos depoimentos de gente que acredita na força da fé e na importância desse momento para ajudar quem passa por tanto sofrimento. A bancária aposentada Tânia Aparecida dos Santos, moradora de Brasília, está em peregrinação desde o dia 11. “Passamos em Fátima, Roma e Cássia em preparação para o Pentecostes”, conta. Ela viaja há 15 anos para eventos dessa natureza. “A minha expectativa para este Pentecostes é o derramamento poderoso do Espírito Santo. Então é muita oração, muita fé e muita confiança na Providência Divina. Porque o Espírito Santo é que vem renovar tudo”, conta.

Uma das lideranças religiosas convidadas para o Pentecostes da Paz, o padre Reginaldo Manzotti, explicou a importância do Pentecostes em momento tão conturbado. “Todos os anos celebramos Pentecostes na Terra Santa. Agora, nós tivemos que sair da Terra Santa, para olhar para a Terra Santa e pedir paz. E não há lugar melhor do que a cidade de São Francisco de Assis, o homem da humildade e da paz. Mas não é só pedir pela Terra Santa. É pedir pelo Brasil, para que haja paz nos grandes centros, nos pequenos centros, nas periferias. Eu moro no centro de Curitiba e vejo muita violência. E vou rezar por todas as vítimas do Rio Grande do Sul e do Maranhão. Neste encontro internacional de Pentecostes, rezamos pela realidade do mundo e do Brasil. As graças são imensas. As pessoas voltam para casa renovadas. Quem não é convertido, volta convertido. E quem já é, volta edificado. É uma renovação na fé”, conta.

O Pentecostes da Paz em Assis terá a participação de importantes lideranças católicas. Além dos padres cantores Fábio de Melo e Reginaldo Manzotti, estarão presentes frei Gilson e irmã Kelly Patrícia. Além de missas, a programação de hoje e amanhã inclui testemunhos de fé, pregação e momentos de oração.

* A jornalista viajou a convite da organização do evento.

 

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postado em 18/05/2024 03:54 / atualizado em 20/05/2024 13:06
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