O paradoxo é gritante. O Rio Grande do Sul está inundado, mas não há uma gota d'água saindo das torneiras das casas atingidas. Nos abrigos, não há como tomar banho nem lavar roupas e fraldas. Para beber, apenas garrafas e galões que chegam em meio às doações de alimentos, comida e remédios. Ao Correio, gaúchos contam como estão enfrentando a escassez de água mineral nos mercados e relatam os malabarismos para manter a higiene pessoal.
"A gente está sem água há sete dias e não tem muita previsão de retorno. O que temos feito é ir às casas da família e de amigos que têm água. A gente sabe que também pode acabar, então, usar a água da casa do outro é bem racionado. Vou à casa de uma pessoa para tomar um banho e na de outra para pegar um pouquinho de água para higienizar um pouco da louça", conta a estudante Thaís Cortez, de 26 anos.
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A médica veterinária Anelise Caferrati, 27 anos, passou pela mesma situação, ficou sem água no prédio onde mora por três dias, e considerou ir até à praça do bairro para pegar água de uma torneira que ainda estava funcionando. Ela e vários vizinhos levaram baldes para abastecer a casa.
As duas gaúchas vivem em Santa Maria, na região central do estado, a primeira cidade a ser severamente atingida pelas chuvas. Desde então, as duas contam que a distribuição de água tratada não foi normalizada na cidade.
A Defesa Civil estima que 523 mil lares estão sem abastecimento de água, segundo a atualização de ontem. A situação é muito pior na região metropolitana de Porto Alegre, onde cinco das seis estações de tratamento e distribuição não estão funcionando porque os sistemas de bombeamento foram alagados com a cheia do Lago Guaíba. Segundo o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), 85% da capital gaúcha e municípios vizinhos estão sem abastecimento.
"Hoje (ontem), eu vi um caminhão chegando no mercado com água, mas logo acabou porque água, ovo, pão, várias coisas, estão bem difíceis de encontrar", lamenta o jornalista Leonardo Catto, 26 anos, que mora em Porto Alegre.
O contador Gabriel Machado, 27, está sem água desde sexta-feira. O reservatório do prédio onde mora, na capital, ainda deu alívio por algumas horas, quando conseguiu fazer um pequeno estoque para ele e a esposa. Agora, a preocupação é com os próximos dias.
"A água no mercado está difícil. Já não tem nas prateleiras. Eu consegui comprar na terça-feira, quando eu fui ao mercado de manhã cedo, mas só era vendido um fardo fardo (com 12 garrafas de 1,5 litro) por pessoa. Hoje (ontem) tentamos comprar e não tinha mais, nem previsão para o reabastecimento", disse Gabriel, preocupado.
A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) informou que a região metropolitana é uma das mais afetadas pelo desabastecimento, com 408 mil imóveis sem acesso à água da rede pública. Na região nordeste do estado, são 75 mil imóveis, seguida pela região central (47 mil imóveis) e pelo Vale dos Sinos (12 mil).
"É muito difícil achar água em galão (5 litros) e em garrafas de 2 litros. Só tem água com gás e alguns fardos de água de 500ml sem gás", descreve Thaís, de Santa Maria. Ela afirma que, após a grande chuva que atingiu a cidade na última quarta-feira, as pessoas fizeram "a limpa" no mercado e não sobrou nada.
O Correio tentou contato com a Corsan para saber se há previsão de restabelecer o fornecimento de água, mas não obteve resposta.
Solidariedade
Doações de água mineral e de filtros chegam de todo o país. A indústria de bebidas Ambev interrompeu temporariamente a produção de cerveja em sua fábrica de Viamão, em Porto Alegre, para envasar água potável e doar à população. O CEO da companhia, Jean Jereissati, em conversa com investidores, informou que a Ambev já doou 560 mil litros de água, sendo 185 mil litros para 11 municípios e 375 mil litros para hospitais da capital.
A fábrica de Porto Alegre, que normalmente se dedica à produção de cerveja, passou a produzir até 400 mil litros de água potável por dia. Com a adaptação das linhas de produção, cerca de 850 mil latas de água são produzidas diariamente na unidade de Viamão. A empresa uniu forças com a Ball, líder global na produção de latas de alumínio, que disponibilizou latas de 473 ml para o envase da água potável.
Outras empresas e entidades também se mobilizaram. A Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) doou 72 mil litros de água tratada ao Exército, que faz a distribuição em locais de difícil acesso.
A Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa) também se comprometeu a doar 10 mil copos de água potável por semana para as vítimas das chuvas no Rio Grande do Sul.Essas iniciativas fazem parte da campanha da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe).
A mobilização também conta com a solidariedade de figuras públicas e influenciadores. O youtuber e empresário Felipe Neto angariou R$ 4,8 milhões para levar água potável aos desabrigados. Com o apoio da primeira dama, Janja da Silva, e da Força Aérea Brasileira (FAB), serão levados purificadores de água para regiões onde as estradas estão bloqueadas. Ao custo médio de R$ 22 mil cada equipamento, os purificadores podem garantir acesso à água potável em áreas afetadas pelas chuvas.
(*Estagiária sob a supervisão de Vinicius Doria)
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