A grande aldeia que abriga mais de 180 povos indígenas de todas as regiões do país, instalada no coração de Brasília, pulsa na batida dos tambores e no chacoalhar dos maracás. Cantos de guerra e de paz ecoam pelas centenas de barracas espalhadas no Eixo Monumental, onde mais de 7 mil pessoas transitam sem parar entre uma reunião e outra, em uma rotina que começa de madrugada e entra pela noite, em apresentações culturais e festas de confraternização. No Acampamento Terra Livre, o maior encontro anual de povos indígenas do país, lideranças discutem os problemas das comunidades em uma grande rede colaborativa. Mas quem amplifica os anseios e preocupações de suas etnias são os jovens.
Imagens que ganham o mundo são captadas pelas lentes de modernos telefones celulares e equipamentos semiprofissionais, pilotados pela nova geração de indígenas que, em poucos anos, estará à frente das mobilizações por melhores condições de vida e na defesa do meio ambiente e das tradições ancestrais. Os caciques estimulam a presença dos jovens no acampamento, que faz parte da formação de novas lideranças.
"Quando se chega aqui, a gente sai da bolha. Passa a conhecer outras etnias e, sobretudo, entender que nosso desafio é o mesmo — só muda de cidade e de estado", disse o cacique Vilson Jaguaretê, tupinikim do Espírito Santo.
A missão é árdua e começa cedo. Cada povo tem sua própria equipe de produção, que pode ter equipamentos sofisticados ou apenas um telefone celular. Tudo é gravado, registrado, editado e compartilhado nas redes sociais. A tecnologia é a janela para que os indígenas possam contar sua história, sem intermediários.
Andar entre as barracas é uma experiência sensorial. Cores, cheiros, sabores e sons se misturam, assim como a forma de se comunicar — são mais de 100 línguas diferentes representadas só nesta edição do Terra Livre. A estrutura do acampamento foi montada por colaboradores e organizações não governamentais.
Na cozinha, postas de peixe e generosas porções de pirão são o carro-chefe do almoço. Há atendimento médico — que inclui conhecimentos e técnicas tradicionais —, banheiros químicos, chuveiros e coleta regular de lixo.
As comunidades também trouxeram à capital muito artesanato. Cocares, colares, pulseiras, cachimbos, esculturas em madeira, remos, miniaturas de canoas, apitos que imitam o som dos pássaros, tudo está exposto nas barracas. O dinheiro arrecadado ajuda a manter cada delegação. Um cocar, por exemplo pode custar de R$ 100 a R$ 1 mil, dependendo da quantidade de penas e do trabalho que deu para fazer.
Meninos e meninas se ajudam na hora de pintar rostos e corpos com tinta de jenipapo e de urucum. Há orgulho em usar cores e adereços das comunidades. Quando não estão participando de rodas de conversa e debates sobre os problemas que os afligem, se juntam para tocar instrumentos tradicionais e cantar. A curiosidade em torno dos "parentes" de lugares distantes é fator de atração. Entre os indígenas, todos são filhos da mesma terra.
"A experiência é muito boa, aqui no ritual ou na hora de trocar ideias. Nunca tinha vindo a Brasília, mas está sendo muito legal", diz Tarruí Pataxó. A amiga Terená, pela segunda vez no acampamento, concorda. "É muito bom levar novas experiências para minha aldeia. As etnias são diferentes, mas a realidade é a mesma", frisa.
O cacique caiapó Patkore Mekragnoti, do Mato Grosso do Sul, trouxe a Brasília 45 membros de sua comunidade. Ele está convicto da importância de trazer a nova geração. "Temos que mostrar nossa cultura, nossa fala, nossa música. Quando a gente se encontra, mostra nossa força. Esse acampamento é muito importante para proteger nossa terra, é importante para dizer que garimpeiro não pode entrar nelas", adverte.
Encontro com Lula
Hoje, os indígenas sairão, juntos, em passeata até a Praça dos Três Poderes. As lideranças estarão com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que receberá uma carta com 25 reivindicações dos povos originários. Além da luta por demarcação de terras e proteção contra invasores, a pauta deste ano inclui a pressão contra o Marco Temporal, aprovado pelo Congresso, mas questionado no Supremo Tribunal Federal. (Colaborou Victor Correia)Saiba Mais