De 287 discursos oficiais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de 1° de janeiro de 2023 até 18 de abril de 2024, o chefe do Executivo citou os povos indígenas 63 vezes. Os temas mais comentados por Lula foram demarcação de terras, assistência à saúde, violência e o combate ao garimpo ilegal. Neste Dia dos Povos Indígenas, celebrado nesta sexta-feira (19/4), um levantamento do Correio mostra como essas áreas foram tratadas pelo governo federal — além das promessas para os próximos anos e as respostas aos movimentos indígenas.
O levantamento foi produzido com base na ferramenta do Google PinPoint. Todos os discursos do presidente Lula podem ser acessados neste link.
O coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas (Apib), Maurício Terena, afirma que a avaliação geral do governo Lula em relação às pautas indígenas é positiva, por conta de alguns avanços e da vontade política sobre o tema. No entanto, o especialista aponta que o caminho para a restruturação das políticas indigenistas ainda é longo. "O que precisa, de fato, é fazer com que a grande frente ampla formado por Lula tenha a defesa dos direitos dos povos indígenas como um mandamento constitucional", defende.
"As pautas que o governo têm sinalizado avançaram, mas precisam ser melhor executadas internamente. Porque às vezes parece que existe desorganização. A Casa Civil precisa começar a articular melhor as operações de desintrusão de terras indígenas, ter planos estruturados a curto, médio e longo prazo dentro do governo, para que as pautas avancem de modo satisfatório. Sabemos que temos uma demanda reprimida, o governo tem conseguido avançar, mas não tanto quanto a gente esperava que avançaria", emenda Terena.
Demarcação
A palavra demarcação foi diretamente citada por Lula 5 vezes nos discursos oficiais do começo de janeiro de 2023 até esta semana. Em 5 de junho do ano passado, por exemplo, o presidente discursou acerca de uma política integrada para o proteção das comunidades. "Total proteção aos povos indígenas, inclusive com o uso da força quando necessário, e a demarcação do maior número possível de seus territórios", citou na celebração do Dia Mundial do Meio Ambiente.
O tema foi reforçado em outros discursos, ainda que de forma indireta. Lula afirmou que pediu para que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) apresente todas as terras que estão prontas para serem demarcadas. "A gente precisa demarcá-las logo, antes que as pessoas se apoderam delas, antes que as pessoas inventem documentos falsos, escrituras falsas e digam que são donas da terra", disse o presidente na 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas, em 13 de março do ano passado.
Em 2023, foram constituídos 37 Grupos Técnicos de identificação e delimitação, o governo reconheceu três novos estudos e homologou oito terras indígenas: Arara do Rio Amônia (AC), Acapuri de Cima (AM), Rio Gregório (AC), Kariri-Xocó (AL), Uneiuxi (AM), Rio dos Índios (RS), Tremembé da Barra do Mundaí (CE) e Ava-Canoeiro (GO).
Na quinta-feira (18/4), Lula assinou a homologação de mais dois territórios: Aldeia Velha (BA), do povo Pataxó, e Cacique Fontoura (MT), dos Karajá. A expectativa, no entanto, era que fossem formalizadas as homologações de seis territórios. Isso porque Lula havia prometido a demarcação de 14 terras nos 100 primeiros dias de gestão.
O presidente, inclusive, se manifestou no X (antigo Twitter) sobre a diminuição no número de terras demarcadas e explicou não haver alternativas, no momento, para oferecer às pessoas que atualmente ocupam a terra (fazendeiros e camponeses).
Para Terena, o tema da demarcação é "ambivalente" no governo Lula. "O governo federal de fato demarcou algumas terras, mas ontem tivemos um anúncio de apenas duas terras. O movimento indígena ficou extremamente frustrado, porque esperávamos as seis que estão prontas, só faltam a assinatura presidencial", frisa o indígena.
Segundo ele, o governo precisa avançar na expedição das portarias declaratórias, que é uma das fases do processo de demarcação. "Está paralisado. Desde que iniciou, o governo não expediu nenhuma portaria declaratória e a sinalização que a gente tem do ministro Lewandowski (ministro da Justiça) é a de que isso não vai acontecer tão cedo", cita.
Saúde indígena
Nos discursos oficiais, Lula também mencionou sobre a crise humanitária vivida pelos ianomâmis desde o ano passado, causada pelo avanço do garimpo ilegal e contaminação por mercúrio. O presidente da República reconheceu a necessidade de ampliação de redes de saúde para o atendimento de comunidades indígenas, assim como a ampliação da cobertura vacinal.
No último sábado (13/4), o Ministério da Saúde iniciou o Mês de Vacinação dos Povos Indígenas (MVPI). Para este ano, o planejamento abrange 992 aldeias, para alcançar mais de 130 mil indígenas. A previsão é aplicar cerca de 240 mil doses dos imunizantes que compõem o Calendário Nacional de Vacinação.
Em fevereiro, o secretário da Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai), Weibe Tapeba, anunciou a construção do primeiro hospital indígena do país em Boa Vista (RR). Além do hospital, o apoio à saúde ianomâmi contará com um centro de referência em Surucucu, uma área estratégica do território, com o objetivo de levar “os serviços de atenção especial para dentro do território".
Terena frisa que a saúde indígena é uma das principais frentes em que o governo federal precisa avançar. "Apesar de estar com o orçamento recomposto, a saúde indígena ainda não conseguiu voltar a operar de maneira satisfatória dentro dos territórios. Isso é um gargalo ruim. O governo também precisa reestruturar, para que os próximos governos não desmontem apenas em uma 'canetada' as instituições indígenas do país. Saúde é um problema estrutural, os avanços do governo Lula são significativos, mas ainda há muito o que ser feito", analisa o coordenador jurídico da Apib.
Violência
Em cinco, dos 63 discursos que Lula fala sobre povos indígenas, a questão da violência foi citada. Na avaliação de Lula, problemas como extrativismo predatório — como o garimpo ilegal — e os conflitos agrários fomentam esse quadro.
A presidente da Funai, Joenia Wapichana, afirmou que um grupo de trabalho foi criado pelo governo para combater a violência em territórios dos povos originários. "A gente (Funai) precisa se alinhar (internamente) também e entender como serão nossas respostas, quando há reivindicações de indígenas relacionadas à Funai para dar respostas rápidas também,” afirmou, em entrevista à Empresa Brasil de Comunicação.
No início desse ano, uma indígena identificada como Maria de Fátima Muniz, do povo Pataxó Hã Hã Hãe, foi assassinada e outras pessoas foram feridas no sul da Bahia. Eses crimes ocorreram na Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, que se situa nos municípios de Pau Brasil, Camacan e Itaju do Colônia, no sul baiano.
O relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil de 2022 apontou 416 casos de violência contra indígenas naquele ano, sendo assassinatos (180); homicídios culposos (17); lesões corporais dolosas (17); tentativas de assassinato (28); ameaças de morte (27); ameaças várias (60); violência sexual (20); racismo e discriminação étnico-cultural (38) e abusos de poder (29). Os dados, referentes a 2022, foram apurados pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
*Estagiária sob supervisão de Ronayre Nunes