garimpo ilegal

Garimpo faz área indígena perder quatro campos de futebol por dia

É o resultado da exploração ilegal nas terras dos kayapós, mundurukus e ianomâmis em 2023, segundo levantamento do Greenpeace. Invasores não apenas contaminam rios e mata; também desequilibram as comunidades nativas

 Indios YANOMAMI -  Imagens feitas  por profissionais de saúde nas aldeias ianomamis -  (crédito:   Reprodução / URIHI - ASSOCIAÇÃO YANOMAMI)
Indios YANOMAMI - Imagens feitas por profissionais de saúde nas aldeias ianomamis - (crédito: Reprodução / URIHI - ASSOCIAÇÃO YANOMAMI)

Levantamento do Greenpeace Brasil mostra que, em 2023, aproximadamente 1.410 hectares de terras dos povos kayapó, munduruku e ianomâmi foram tomados pelo garimpo ilegal. Isso representa o desmatamento de aproximadamente quatro campos de futebol por dia. Segundo a organização não governamental, nos últimos 35 anos a mineração em terras de povos originários aumentou 1.217%.

A progressão do garimpo não representa apenas a devastação da mata, a contaminação de rios e animais e o desaparecimento da caça. Significa, também, a desestruturação do modo de vida dos povos originários. "O garimpeiro leva uma gama de questões que não fazem parte do cotidiano daquela população, como doenças para as quais os povos têm baixa imunidade. O garimpo nas terras indígenas não é permitido. É crime e tem de ser tratado como tal", adverte o porta-voz da Frente de Povos Indígenas do Greenpeace Brasil, Jorge Oliveira.

O levantamento do Greenpeace tem por base um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Universidade do Sul do Alabama, nos Estados Unidos — que detectou um salto exponencial da ocupação garimpeira, que passou de 7,45km², em 1985, para 102,16 km², em 2020. Para piorar, o dinheiro do garimpo também afeta a organização das comunidades indígenas — com o estímulo às cisões entre as lideranças e a formação de um submundo em que se praticam vários crimes, sobretudo os sexuais contra mulheres e crianças.

Indústria do mal

Segundo Jorge Oliveira, também é necessário desmistificar o que é o garimpo nas terras indígenas. Não se trata de algo artesanal praticado por homens que vivem da prospecção, mas sim equipes manejando grandes maquinários para a exploração em escala industrial.

"Levam dragas, tratores e muita gente. Conseguem montar uma estrutura de acampamento e é muito dinheiro envolvido", afirma o diretor do Greenpeace. Segundo ele, tal estrutura está intimamente ligada às grandes quadrilhas que exploram o contrabando de metais preciosos, a prostituição e os tráficos de drogas, armas e animais. Jorge Oliveira afirma que essa cadeia de atividades não favorece em nada a economia dos municípios.

"A ação extrativista, nas cidades onde chegam, se mantém durante um período de, no máximo, cinco anos. E não leva dinheiro para o município. Quem ganha com essa atividade não está lá. Geralmente é um empresário do Centro-Oeste, do Sudeste que investe e tira dinheiro de lá", aponta o diretor do Greenpeace.

Segundo Jorge Oliveira, apesar do maior interesse da atual gestão federal, a situação pouco mudou com o fim do governo de Jair Bolsonaro. "Se leva muita gente do sistema federal, como o Ibama, mas outras políticas igualmente importantes não chegam. Que tipo de política pública de educação está chegando nesses territórios? Nenhuma. Que tipo de política de segurança alimentar está chegando nos territórios? Nenhuma. Que tipo de política de geração de renda chega? Nenhuma", critica o especialista.

Ao Correio, o Ministério dos Povos Indígenas afirmou que, em seu primeiro ano de atuação, "focou em promover esforços conjuntos nas terras indígenas para combater o garimpo e, por consequência, o desmatamento, assim como a vulnerabilidade e a desnutrição grave entre os ianomâmis".

Contaminação por mercúrio avança

Uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Socioambiental (ISA), divulgada ontem, alerta para o avanço da contaminação por mercúrio entre os ianomâmis. Entre os indígenas que participaram do levantamento, 94% estavam seriamente afetados pelo metal pesado, utilizado maciçamente pelos garimpeiros ilegais para separar o ouro dos rejeitos da prospecção.

Os pesquisadores confirmaram a presença da substância em amostras de cabelo de aproximadamente 287 pessoas analisadas, incluindo crianças e idosos, do subgrupo Ninam.

O estudo, intitulado Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saúde-ambiente, realizou as coletas na região do Alto Rio Mucajaí — que percorre os estados do Amazonas e de Roraima —, em outubro de 2022. O local é um dos mais devastados pelo garimpo ilegal na Terra Yanomami e abriga 31 mil indígenas, que vivem em 370 comunidades.

"O garimpo é o maior mal que temos hoje na Terra Yanomami. É necessária e urgente a desintrusão e a saída desses invasores. Se o garimpo permanece, permanece também a contaminação, devastação, doenças como malária e desnutrição e isso é o resultado dessa pesquisa, é a prova concreta", alerta Dário Vitório Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami.

Das 287 amostras de cabelo examinadas, 84% registraram níveis de contaminação por mercúrio acima de 2,0 microgramas por grama (mcg/g). Outros 10,8% ficaram acima de 6,0 µg/g, índice considerado alto, que requer atenção especial e investigação complementar.

Ainda de acordo com a pesquisa, ao realizar exames clínicos nos pacientes para identificar doenças crônicas não transmissíveis — como transtornos nutricionais, anemia, diabetes e hipertensão —, verificou-se que nos indígenas com pressão arterial alta, os níveis de mercúrio acima de 2,0 mcg/g eram mais frequentes do que nos indígenas com pressão arterial normal.

O estudo também analisou 47 amostras de peixes, 14 de água e sedimentos do Rio Mucajaí e afluentes. No caso dos peixes, todos apresentaram algum grau de contaminação por mercúrio. (Colaborou Fabio Grecchi)

*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi


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postado em 05/04/2024 03:55 / atualizado em 05/04/2024 12:09
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