REPARAÇÃO HISTÓRICA

Veja as recomendações para reparação a indígenas vítimas da ditadura

A presidente da Comissão de Anistia pediu perdão, em nome do Estado brasileiro, pelas violações contra os povos Krenak e Guarani-kaiowá

A Comissão de Anistia concedeu anistia coletiva a dois povos indígenas -  (crédito: Lohana Chaves/Funai)
A Comissão de Anistia concedeu anistia coletiva a dois povos indígenas - (crédito: Lohana Chaves/Funai)

A Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, concedeu, na terça-feira (2/4), anistia coletiva a dois povos indígenas, os Krenak, de Minas Gerais, e os Guarani-kaiowá, de Mato Grosso do Sul. As comunidades foram vítimas de perseguição e tortura durante a ditadura militar. A presidente da comissão, Eneá Stutz, pediu perdão, em nome do Estado brasileiro, pelas violações contra as etnias.

Os pedidos de anistia dos povos foram apresentados pelo Ministério Público Federal, em 2015. De acordo com o órgão, as violações sofridas pelos indígenas colocaram em risco a existência dessas comunidades. "A perda do território tradicional teve impactos gravíssimos sobre os indígenas, colocando em risco a própria existência desses povos, inclusive diante da importância do território, do qual foram removidos compulsoriamente para sua reprodução física e cultural", defendeu o MPF.

Os dois pedidos de anistia haviam sido rejeitados em 2022, pela composição anterior da Comissão de Anistia, no governo passado, mas foram analisados novamente após recursos apresentados pelo MPF. Com as novas decisões, as reivindicações indicadas pelos povos indígenas como medidas reparadoras da violência a que foram submetidos durante o regime militar foram acatadas por unanimidade.

Em relação ao povo Krenak, além de reconhecer a condição de anistiados políticos, os indígenas pediram à Comissão que recomende ao Estado brasileiro a criação de programas de assistência psicológica continuada, assim como iniciativas voltadas à cultura, incentivando práticas tradicionais no território.

Outra reivindicação apresentada foi a criação de um grupo de trabalho para discussão e formulação de proposta de lei que inclua os povos indígenas como destinatários das reparações econômicas, sociais e culturais. Os indígenas também pediram à Comissão que recomende à Funai a conclusão da demarcação do território tradicional de Sete Salões, considerado sagrado para a etnia.

Já entre as providências aprovadas para reparação ao povo Guarani-kaiowá estão: assistência médica semanal, por equipes multidisciplinares de saúde indígena; efetivação de estudo epidemiológico para verificação de agravos à saúde em decorrência à exposição de resíduos agrotóxicos; assistência médica na área de saúde mental, especialmente para redução de traumas decorrentes dos processos de remoção forçada; construção de posto de saúde, com disponibilização de remédios pelo Sistema Único de Saúde (SUS); reconhecimento das Terras Indígenas; acesso à energia elétrica; construção de casas comunitárias, tendo em vista que a maioria vive em barracas de lona; áreas de lazer e de estudo.

Mais de 8 mil indígenas mortos

A Comissão Nacional da Verdade levantou que mais de oito mil indígenas foram mortos e perseguidos pelo regime militar. O número é superior aos 434 de mortos e desaparecidos urbanos, ligados a grupos opositores do regime de exceção.

Ao longo dos anos da ditadura, entre 1964 e 1985, os indígenas sofreram torturas e inúmeras tentativas de desumanização, como prisão arbitrária, trabalho análogo ao escravo e proibição da fala da língua materna. Em Minas, no ano de 1969, foi instalado o reformatório krenak, em Resplendor. A instalação foi comparada a um campo de concentração em relatório da CNV. No local, indígenas de 23 etnias foram presos.

O governo militar, na época, criou a Guarda Rural Indígena, que usou o próprio povo indígena como "soldados", que reprimiam seus povos e o prendiam em um reformatório, que, na verdade, funcionava como uma prisão desses grupos. Os guarani-kaiowá também foram alvo de remoção forçada articulada pelos militares. Os indígenas tiveram de deixar suas terras, que não foram demarcadas até hoje.

O julgamento na Comissão de Anistia pode abrir caminho para que outras etnias também alcancem reparação histórica. Durante a sessão, os conselheiros ressaltaram a importância da instalação da Comissão Nacional Indígena da Verdade para apurar com profundidade as violações sofridas pelos povos originários. Apenas dez povos indígenas foram estudados pela Comissão Nacional da Verdade, representando 3,3% das etnias existentes no Brasil.

Presente na sessão, a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, destacou que todos os povos indígenas merecem justiça. "A memória tem uma importância muito grande para os povos indígenas. Graças a ela, sabemos de onde viemos e para onde queremos ir. Ela não é simplesmente apagada. Ela serve para corrigir erros e fazer acertos, principalmente na administração de um país. É essencial que esta memória seja colocada ao público. Para nós, tanto povos indígenas, como Funai, é importante estarmos visibilizados. Não apenas em relatórios – porque sabemos que houve muita violência – mas também em termos de reparação e de políticas públicas. Para que os erros e a violência sejam, de fato, reparadas e justiçadas”, disse Joenia.

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postado em 03/04/2024 09:36 / atualizado em 03/04/2024 13:47
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