O ano de 2023 ficou marcado como um período infeliz para o Pantanal, uma das maiores zonas úmidas tropicais do mundo. Lar de inúmeras espécies ameaçadas, o bioma foi vítimas de uma devastação sem precedentes devido às intensas queimadas que afetaram a fauna e a flora da região. Nas redes sociais, circulam imagens que retratam o sofrimento de animais atingidos pelos incêndios dos últimos meses.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, declarou estado de emergência ambiental, no início de fevereiro, por risco iminente de incêndios florestais em Mato Grosso. A medida abrange o período de março a dezembro deste ano e visa mobilizar recursos e esforços para conter a destruição. No ano passado, Mato Grosso registrou 21,7 mil focos de incêndio. Em novembro, alcançou o pico histórico de 3,7 mil focos, contrariando as expectativas de um mês tipicamente chuvoso. O início de 2024 não trouxe alívio, com 1.035 focos de incêndio registrados até agora — 847 apenas em janeiro.
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Estima-se que cerca de 17 milhões de vertebrados morreram devido ao fogo, conforme dados do Laboratório de Vida Selvagem da Embrapa Pantanal. Essa perda inclui tanto animais de pequeno porte (16 milhões de indivíduos), quanto espécies de médio e grande porte (1 milhão).
Animais que normalmente conseguiriam escapar das chamas superficiais viram-se encurralados, seja pelo fogo que se alastrava pelas árvores ou pelo calor que emanava do solo queimado. Onças, veados e outras espécies, acostumadas a evadir-se de incêndios de proporções menores, viram-se incapazes de enfrentar as faixas de fogo que se estendiam por dezenas de metros, perecendo em meio às brasas.
Ninhos destruídos
Apesar da tragédia ambiental, que consumiu cerca de 30% do Pantanal, não há registro de extinção de espécies. No entanto, algumas sofreram redução numerosa de suas populações. O Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (Salve), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), identificou que 32 das 1.390 espécies avaliadas estão em categorias de ameaça, com cinco "em perigo" e 27 como "vulneráveis". Entre os mamíferos mais ameaçados estão o tamanduá-bandeira, a onça-pintada e o lobo-guará. Projetos de conservação e monitoramento têm ajudado na proteção desses animais e na recuperação das populações atingidas. Em 2019, em apenas 17 dias de fogo, quase metade dos ninhos catalogados no refúgio ecológico Caiman (MS) foi consumida pelas chamas.
"O risco de declínio das populações pode se acentuar à medida que os incêndios forem recorrentes e atingirem grandes áreas, como tem acontecido nos últimos anos", alerta a coordenadora técnica de projetos do Instituto Homem Pantaneiro (IHP), Grasiela Porfírio. De acordo com a especialista, entre as espécies mais afetadas pelos incêndios no Pantanal estão serpentes, roedores e aves. Muitos animais morrem dias após os incêndios, devido à inalação de fumaça, a queimaduras, à perda de alimentos ou ao aumento da exposição a predadores. "Algumas espécies, por suas características naturais, podem precisar de mais tempo para se recuperar", afirmou.
Embora os incêndios sejam parte natural de ecossistemas como o Pantanal e o Cerrado, a situação atual é resultado de uma combinação de fatores, incluindo práticas humanas e mudanças climáticas. Para o biólogo e diretor do SOS Pantanal Gustavo Figueirôa, o governo deve atuar com urgência para punir os responsáveis pelos incêndios. "Mais de 90% dos incêndios no Pantanal são causados por atividades humanas, seja de forma intencional ou acidental. O ser humano, com certeza, está interferindo em vários níveis", afirmou.
Ao contrário de outros biomas, o Pantanal carece de leis federais que regulem sua preservação. O fato de que 95% do bioma é ocupado por propriedades privadas torna ainda mais difícil implementar políticas de conservação eficazes. Ao Correio, o Ministério do Meio Ambiente revelou que lançará, ainda neste primeiro semestre, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Pantanal.
*Estagiária sob a supervisão de Vinicius Doria