Em um simpósio de dois dias sobre craniossinostose, especialistas discutiram sobre melhorias no diagnóstico, tratamento e protocolos. Como resultado do encontro, um documento será entregue ao Ministério da Saúde e ao comitê de doenças raras. O evento, que ocorreu na Universidade de São Paulo (USP) em Bauru nos dias 14 e 15 de março, contou com 400 participantes da área médica e sociedade civil. O evento surgiu da experiência pessoal do casal Natália Jereissati e Igor Cunha. O filho deles, João, de 6 anos, nasceu com síndrome de Apert, condição genética rara que leva à fusão dos ossos do crânio, das mãos e dos pés. A doença faz parte de um grupo de anormalidades congênitas, chamado de craniossinostose sindrômica.
O documento será confeccionado a partir dos apontamentos realizados no debate realizado pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) em parceria com especialistas nacionais e do Boston Children’s Hospital, da Universidade Harvard, nos EUA e Necker Enfants Malades, de Paris.
“Precisamos avançar na discussão de políticas públicas, aperfeiçoar a linha de cuidado para esses pacientes de forma que tenham o cuidado certo, no tempo certo. Do lado científico, em relação aos protocolos, houve uma riqueza de compartilhamento de informação. Isso vai ajudar na reflexão e a talvez ter mais opções de tratamento. Com o simpósio, acredito que mais pessoas estão sabendo que é possível ter um diagnóstico. Tem ainda a integração que está acontecendo entre os profissionais da saúde, entre o poder público e a sociedade, todo esse network que está sendo feito e que já tem semente para próximos passos. Estamos produzindo um documento com todo esse aprendizado com um plano de ação do que se precisa fazer de melhorias”, relatou Igor.
Natália reforçou que o simpósio contou com discussões científicas de alto nível e deverá auxiliar na melhoria dos dados em relação ao número de pacientes no Brasil com a condição. “Vimos médicos de centros diversos falando cada um dos seus protocolos. Os pacientes e as famílias também participaram e entenderam a quantidade de protocolos existentes. Dali vão conseguir escolher o melhor para o seu filho dentro das possibilidades. Sabemos como as informações sobre o número de pessoas com craniossinostose no país são desorganizadas. Vamos sentar e tentar fazer um plano de ação um pouco mais consistente”, apontou.
Um dos problemas passa pelo CID - classificação de doenças e problemas relacionados à saúde.
“A craniossinostose tem um CID, mas não para síndromes especificadas. Isso faz com que não se tenha um recorte concreto da situação das crianças com malformação congênita no país. A organização dessas informações não é consistente, temos um longo trabalho. Vamos compilar todas as informações que obtivemos no evento para entender como é que a gente vai atuar”, afirmou Natália.
A condição, chamada de craniossinostose, pode ocorrer em um a cada 2,5 mil nascimentos. A condição se caracteriza principalmente pelo fechamento precoce das suturas dos ossos do crânio ainda durante a gestação e podem afetar a visão, a audição, a respiração do bebê e causar pressão intracraniana que também podem prejudicar a marcha e o desenvolvimento neuropsicomotor e cognitivo. Tratamentos como a cirurgia no crânio e um acompanhamento multidisciplinar precisam ser realizados de forma precoce, com menos de um ano de idade.
No Brasil, o Sistema Único de Saúde oferece parte do tratamento aos pacientes, no entanto, a maioria dos centros de excelência estão localizados no sul do país.
O professor Nivaldo Alonso, coordenador de Cirurgia Craniofacial do HRAC-USP e docente da disciplina de cirurgia plástica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), também destacou a importância do congresso. “Foi uma provocação muito boa pra se começar a haver uma maior integração entre os centros e que a gente possa conversar e produzir políticas públicas de qualidade, que tenhamos bancos de dados, ou até saiba utilizar melhor os dados. A discussão gira em torno de financiamento e acesso. É impossível ter financiamento ou planejar se não tem previsão de quantos pacientes e qual é o tipo de tratamento, qual é a melhor forma de acesso desses pacientes. Importante ter uma uma prospecção exata de dados para prover um financiamento que possa contemplar de maneira com qualidade essas situações de doenças raras nesta área”, acrescentou.
Um dos participantes, o cirurgião plástico e professor da faculdade de medicina de Harvard John Meara, referência em cirurgias de síndromes raras, destacou ao Correio a troca de experiências científicas que futuramente podem resultar em colaboração médica. “O congresso foi importante tanto como uma reunião acadêmica de alto nível, com uma possibilidade de colaboração médica em pesquisas de saúde e também acredito que vamos participar da mudança de políticas, estou convencido que isso vai ajudar a impactar trazendo melhorias”.
O especialista destacou ainda que o cuidado aos pacientes com doenças raras é complexo e multidisciplinar. “Foi essencial porque precisamos falar sobre os obstáculos, os desafios. Não apenas no Brasil. Quais os problemas, o que pode ser feito, o que precisa mudar, quais pesquisas precisam ser feitas. É uma combinação entre sociedade, academia científica, banco de dados, informações e governo. Todos trabalhando juntos”, concluiu.
*A repórter viajou a convite do Simpósio