Ao passo que o Brasil ultrapassa a marca de 2,4 milhões de casos prováveis de dengue e 897 mortes confirmadas, o Ministério da Saúde tenta conter a letalidade da doença, que proporcionalmente ainda é menor (0,04) do que a do ano passado (0,07). Por meio de investigação das secretarias municipais e estaduais, a pasta está compilando informações sobre quais foram os principais sintomas e comorbidades das pessoas que morreram nos últimos três meses pela doença. O objetivo é aprimorar o manejo médico e, de acordo com especialistas ouvidos pelo Correio, também mostrar os sinais de alerta do corpo.
Os dados divulgados pela pasta mostram que a maioria das pessoas que morreram, com idade acima de 15 anos, tinham hipertensão e diabetes. Já em jovens e crianças com menos de 14 anos, as principais doenças eram hematológicas e autoimunes. Quanto aos sintomas, em todas as idades os infectados tiveram febre, vômito, dor muscular, dor de cabeça, náusea, entre outros.
Foi possível perceber também que o tempo para o agravo da doença foi de cerca de quatro dias (mas pode variar entre um e 29 dias). O mesmo tempo médio é estimado para o início dos sinais de alarme, que são aqueles que indicam o agravamento da doença (veja quadro mais abaixo).
"O quarto dia, nos estados em epidemia, tem sido um alerta de que as pessoas podem agravar. Um monitoramento que faça com que essa pessoa volte no quarto dia da doença pode salvar muitas vidas. A análise do que aconteceu é muito importante para guiar as ações de estados e municípios", afirmou a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, Ethel Maciel.
A pasta não considera que o Brasil inteiro está em epidemia para a doença — apesar de 11 unidades federativas terem decretado estado de emergência em saúde pública —, e, sim, que alguns locais do país passam por isso, como Distrito Federal, Minas Gerais, Acre, Espírito Santo, Goiás, Santa Catarina, entre outros. O Rio de Janeiro anunciou na sexta-feira (29/3) o fim da epidemia de dengue na capital.
O tempo do início dos sintomas até a morte, de acordo com o levantamento da Saúde, foi de, em média, 6 dias (podendo variar entre um e 36 dias). Mostrando, assim, que um quadro grave pode evoluir muito rápido para um óbito. Por isso, é necessário agir com agilidade.
Como identificar
Atualmente, foram registrados mais de 20 mil casos de dengue grave no país, em três meses. "Depende muito o fator que agravará a doença. Uma das possibilidades maiores é quando a pessoa está tendo dengue pela segunda vez. Pode ter e não agravar, mas existe maior probabilidade", comentou Andrea Bruno Von Zuben, professora de Epidemiologia do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Políticas e Gestão em Saúde da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
A especialista explicou como o vírus da dengue age no corpo humano e porque a desidratação ocorre. "Nosso sistema venoso fica como se fosse uma 'peneira' quando temos dengue, assim, perdemos muita água. Na segunda vez da doença, o nosso corpo pode aumentar essa 'peneira' e facilitar a saída de água dos vasos", enfatizou.
Quatro estágios
Para avaliar em qual estágio da doença o paciente está, os profissionais de saúde seguem um protocolo de "estadiamento da dengue", que possui quatro fases. Na mais leve, as pessoas são hidratadas só oralmente; na segunda, há risco de agravamento e necessidade de soro intravenoso; na terceira, há alterações nas células e sangue; e, na última, há o "choque" dos órgãos por falta de líquido e o paciente precisa ir para a Unidade de Terapia Intensiva. Nesse último caso, a maioria das pessoas acaba evoluindo para a morte.
Atendimento
A enfermeira de família e comunidade Luana Lima trabalha em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), em Riacho Fundo, no Distrito Federal — UF com maior incidência de casos por 100 mil habitantes. Ela contou que, desde o início da epidemia na região, a unidade de saúde adotou um novo protocolo de atendimento para conseguir identificar o risco dos pacientes de maneira mais ágil.
"Todos os serviços de Atenção Primária à Saúde estão passando por transformações, o percurso de chegada do paciente precisou ser checado. O que a gente tem feito é otimizar o tempo para a classificação de risco. Assim que o paciente chega, ele já passa por um acolhimento com classificação de risco e estadiamento da dengue, de acordo com os sintomas", destacou a enfermeira.
Ela disse ainda que, para realizar esse tipo de atendimento, que não era comum nas unidades básicas, os profissionais de saúde precisaram reorganizar todo o sistema, ampliar horários e fazer pedido de mais soro e materiais para aplicá-lo. Outro ponto que ela exemplificou de mudança, com a explosão de casos da doença, é que, até então, o Sistema Unificado de Saúde (SUS) só fornecia dipirona (analgésico) em gotas para esses locais, por considerar que eles não tratavam de casos graves. Agora, eles passaram a distribuir também dipirona em comprimido.
Sintomas e cuidados
De acordo com o levantamento divulgado pelo Ministério da Saúde, o sintoma mais comum da dengue, desde crianças até idosos, é a febre. "A doença é caracterizada por duas fases, a febril, que dura de três a seis dias, e a fase afebril, quando a febre baixa. A última é a mais crítica porque, diferentemente de outras enfermidades, isso não significa uma melhora, pode ser um agravamento, e geralmente é quando as pessoas internam", ressaltou Andrea Bruno Von Zuben, professora de Epidemiologia da Unicamp.
Segundo a especialista, "é preciso ficar atento a outros sintomas, como vômitos, sensação de cansaço ou desmaio e sangramento, que nas mulheres pode ser identificado até por ter mais dias de menstruação que o usual". Esses outros sinais são considerados de alarme, pois avisam que pode estar ocorrendo um agravamento interno da doença.
"Se você está com uma febre que não sabe o que é, não fique em casa em época de epidemias de dengue. É importante pedir ajuda porque primeiro precisa de hidratação, pode ser por boca, mas é uma quantidade muito alta de líquido. São 60 ml por quilo, ou seja, uma pessoa com 80 kg precisa beber 5 litros e 1/3 disso precisa ser com sais minerais", apontou ela, que explicou também que a falta desse líquido é o que ocasiona o chamado "choque" nos órgãos, pelo baixo volume.
A enfermeira Luana Lima lembrou que, na UBS em que trabalha, eles recebem muitos casos graves e que alguns evoluem muito rápido. Os mais graves são encaminhados ao hospital, com ambulância. Já os mais leves são hidratados no local, ou orientados a assim o fazer em casa, mas com necessidade de retorno em dois dias para refazer os exames de sangue. Nesse momento, também é sondado se há algum sinal de alerta.
Von Zuben comentou ainda que, em Campinas, o acompanhamento dos pacientes dura oito dias. Eles recebem mensagens no celular perguntando, a cada dia, se a quantidade indicada de água foi ingerida e quais são os sintomas daquele momento. Caso a pessoa responda que não bebeu água, a unidade básica mais perto do endereço do paciente será informada para fazer uma busca ativa e verificar o motivo e, caso preciso, levar a pessoa para fazer hidratação intravenosa. Já se o doente apresentar sinais de alarme, será aconselhado a procurar o serviço de saúde o mais rápido possível. Essa é uma ação do próprio município paulista para tentar diminuir as mortes.
"A dengue bem conduzida não é para levar à morte", destacou a especialista. "Duas grandes dicas são eliminar criadouros e, se tiver febre, procure ajuda. Não espere passar, nem se automedique. Em época de epidemia, precisamos ser bem orientados", finalizou.
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