REPARAÇÃO HISTÓRICA

Comissão Nacional Indígena da Verdade é essencial e urgente, diz advogada

Na Comissão Nacional da Verdade, apenas dez povos indígenas foram estudados, representando 3,3% das etnias existentes no Brasil

Pouco se sabe sobre as violências contra os povos indígenas durante a ditadura militar -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Pouco se sabe sobre as violências contra os povos indígenas durante a ditadura militar - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Com a proximidade dos 60 anos do início do regime militar, especialistas cobram a instalação da Comissão Nacional Indígena da Verdade para apurar as violações sofridas pelos povos originários. Ao Correio, a advogada Maíra Pankararu, primeira pessoa indígena a integrar a Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos, explica que a instalação da comissão é essencial e urgente, pois ainda pouco se sabe sobre as violências contra os povos tradicionais no período ditatorial.

"A instalação da comissão está atrasada, porque a entrega do relatório da Comissão da Verdade foi em 2014. Na época, ventilou-se essa possibilidade como uma das 13 recomendações para os povos indígenas, que se instalasse uma Comissão Nacional Indígena da Verdade. Estamos em 2024, dez anos depois, e não temos nem menção de quando isso vai ocorrer. O Estado brasileiro está atrasado em relação a isso. As pessoas que podem dar depoimentos diretos do que aconteceu com seus povos estão falecendo", explica Maíra.

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade apontou que pelo menos 8.350 indígenas foram mortos durante a ditadura militar, entre os anos de 1964 a 1984. Entretanto, apenas dez povos foram estudados pelo colegiado, representando 3,3% das etnias existentes no Brasil. Ao longo dos anos de repressão estatal, os indígenas sofreram torturas e inúmeras tentativas de desumanização, como prisão arbitrária, trabalho análogo ao escravo e proibição da fala da língua materna.

No dia 2 de abril, a Comissão de Anistia vai julgar, pela primeira vez, os requerimentos de reparação coletiva aos povos krenak e guarani-kaiowá — que foram vítimas de perseguição e tortura durante a ditadura. O julgamento é visto como histórico e pode abrir caminho para que outras etnias também alcancem reparação histórica.

"Esse status de anistiado político produz uma nova prova, que pode ser usada no Poder Judiciário para ações de demarcações de terras indígenas, para provar que houve violência durante a ditadura militar e que esses povos tem o direito, como reparação histórica, à demarcação de suas terras. É criar um novo flanco de guerra, porque os processos de demarcação de terras indígenas se baseiam no artigo 231 da Constituição Federal, e quando a gente produz essa nova prova, que no caso é a anistia política, a gente sai do campo da interpretação constitucional, que está sofrendo grandes derrotas com a aprovação da lei do marco temporal no Legislativo, e abre um novo caminho para demarcação como reparação histórica", pontua a advogada indígena.

Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas informou que desde 2023 vem trabalhando com o objetivo de instalar a Comissão Nacional Indígena da Verdade. "Para isso, ao longo do ano passado ouviu comunidades, diversos segmentos do movimento indígena, além de acadêmicos e instituições governamentais, na perspectiva de que a formulação de políticas de justiça de transição indígena tivesse diagnósticos concretos alinhados com as demandas da base. Entre as muitas ações preparatórias, estão a articulação com o Arquivo Nacional e o Arquivo da Funai para criar uma Política Institucional de Memória; a escuta aos indígenas atingidos pelo rompimento das barragens de rejeito de mineração em Mariana e em Brumadinho, em Minas Gerais; e contribuiu para organizar encontros sobre o tema com países do Mercosul", afirma a pasta.

O Ministério Público Federal também recomenda a instalação de comissão específica para apurar as violações sofridas por indígenas. "É preciso que haja amplo e público conhecimento das violações de direitos perpetradas contra os povos indígenas no Brasil, e sob quais condições sociais, políticas e econômicas tais violações aconteceram, de forma a se construir políticas reparatórias e reformas institucionais aptas a garantir os direitos dos povos originários no país", diz o órgão.

Veja a íntegra da nota do Ministério dos Povos Indígenas:

A Política Nacional de Promoção à Justiça de Transição para Povos Indígenas e de seus programas correlatos (Programa Justiças, Memórias e Verdades Indígenas e Programa Arquivos: Territórios da Memória) foram definidos com base nas 13 recomendações ao Estado brasileiro relativas aos povos indígenas contidas do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), publicado em 2014, e nas demandas e reflexões do movimento indígena elaboradas desde a 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista (CNPI), em 2015.

O tema da reparação histórica foi também demandado nos encontros e debates da “Caravana Participa, Parente!”, promovida pelo MPI para a escolha dos 30 representantes dos povos indígenas no Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), retomado pelo governo Lula.

A Política Nacional de Promoção à Justiça de Transição para Povos Indígenas tem orientado os trabalhos do Ministério dos Povos Indígenas na concepção da Comissão Nacional Indígena da Verdade. O instrumento enfatiza a necessidade de implementar mecanismos de promoção das justiças dos povos, de revelação da verdade, de garantia de não repetição e de preservação e promoção da memória.

Desde 2023, o MPI vem trabalhando com o objetivo de instalar a Comissão Nacional Indígena da Verdade e, para isso, ao longo do ano passado ouviu comunidades, diversos segmentos do movimento indígena, além de acadêmicos e instituições governamentais, na perspectiva de que a formulação de políticas de justiça de transição indígena tivesse diagnósticos concretos alinhados com as demandas da base. Entre as muitas ações preparatórias, estão a articulação com o Arquivo Nacional e o Arquivo da Funai para criar uma Política Institucional de Memória; a escuta aos indígenas atingidos pelo rompimento das barragens de rejeito de mineração em Mariana e em Brumadinho, em Minas Gerais; e contribuiu para organizar encontros sobre o tema com países do Mercosul.

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postado em 27/03/2024 09:25
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