Consideradas guardiãs de conhecimentos tradicionais, as mulheres indígenas desempenham um papel fundamental na preservação das tradições e culturas milenares. A Organização das Nações Unidos (ONU) destaca que a compreensão dessas mulheres sobre a natureza é uma ferramenta poderosa para enfrentar os impactos das mudanças climáticas. No entanto, essa população também é vulnerável a múltiplas formas de violência. Portanto, no Dia Internacional da Mulher, celebrado nesta sexta-feira (8/3), o Correio ressalta os avanços e desafios enfrentados pelas indígenas e lista uma série de mulheres que tornaram-se referências na luta por direitos.
Para a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, Joenia Wapichana, as mulheres indígenas são essenciais tanto na vida das comunidades tradicionais como para todo o planeta. "Nós defendemos direitos coletivos, direitos humanos, direitos dos povos indígenas, direitos que vêm desde nossa ancestralidade, mostrando nossos conhecimentos tradicionais, nossos valores, nosso olhar sobre a coletividade, e a importância da cultura e de manter a conexão com a mãe terra e a mãe natureza", diz.
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Joênia é uma das principais lideranças femininas indígenas do Brasil e acumula pioneirismo ao longo da trajetória. Ela foi a primeira mulher indígena a exercer a advocacia no país, a primeira deputada federal indígena e também pioneira na direção da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Ao lado de Joênia atuam nomes como a ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara e a deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG). Ambas também possuem protagonismo. Sonia é a primeira indígena a ocupar um ministério no governo federal — e em uma pasta inédita (a dos Povos Indígenas) — e Célia é a primeira deputada indígena eleita por Minas Gerais. "Mulherizar e indigenizar a política. Somos mulheres bioma, mulheres terra, água. Somos mulheres ancestrais", comemorou Célia, ao assumir o mandato na Câmara.
"Mãe terra" e mapeadoras do Brasil
Uma pesquisa desenvolvida pela professora de história Denise Moura, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), resgata o papel das mulheres indígenas durante as expedições no período colonial. Elas atuaram como guias e ajudaram a mapear o Brasil. “Ainda que a presença das mulheres indígenas tenha sido minimizada e relegada ao esquecimento por muito tempo, elas tiveram participação essencial para o funcionamento e o sucesso das expedições exploratórias no século 18. As mulheres indígenas foram um componente ativo e influente na geografia e na territorialidade″, explica a pesquisadora Denise.
As constatações da professora da Unesp apontam para que o fato de que o modo de vida das mulheres indígenas está diretamente ligado ao território que ocupam. Por isso, a perda de acesso às terras tradicionais ameaça a capacidade de manter e transmitir os conhecimentos. "A luta pela terra é a mãe de todas as lutas", sintetiza Sonia Guajajara. "E ser mulher indígena é nascer já em um processo de resistência e luta, por mais voz e direitos — da aldeia aos espaços institucionais", acrescenta a ministra.
A ONU observa que as mulheres indígenas são desproporcionalmente afetadas pela perda de territórios e recursos devido às mudanças climáticas e os conflitos. "Além disso, formas múltiplas e interseccionais de discriminação contra mulheres indígenas criam barreiras ao desenvolvimento e ao uso de conhecimentos científicos. Historicamente, as mulheres indígenas têm sido líderes em suas comunidades. A preservação das comunidades, valores e modos de vida dos povos indígenas depende de mulheres e meninas indígenas reconquistarem os papéis como líderes", afirma a ONU.
Alerta contra violências
A coordenadora-Geral de prevenção da violência contra as mulheres, do Ministério das Mulheres, Pagu Rodrigues, explica ao Correio como as violências atingem as indígenas. "As mulheres indígenas enfrentam violências internas, que são vivenciadas dentro dos próprios territórios, mesmo as que estão em contexto urbano sofrem violência doméstica, psicológia, patrimonial. Há também a violência institucional, ancorada pelo racismo, e as violências externas, que em muitos casos estão relacionadas a conflitos por terras, como os estupros e feminicídio", cita Pagu, que pertence à etnia Fulni-ô.
A especialista avalia que embora a Lei Maria da Penha seja uma ferramenta importante, ela não considera os contextos vivenciados por cada etnia do Brasil, seja pela barreira da falta de tradução para línguas indígenas ou pelo despreparo de órgãos públicos. "Há territórios que as mulheres não lêem português e há lugares que as violências são sequer identificadas. Muito do que a gente tem debatido é que não é exatamente o caso de se produzir novas legislações, mas sim de criar possíveis emendas à leis existentes que levem em consideração as especificidades indígenas", frisa Pagu.
No ano passado, a Lei Maria da Penha foi traduzida para as línguas kaingang e guarani. Além disso, a deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG) protocolou o primeiro projeto de lei traduzido para línguas indígenas da história. A proposta estabelece procedimentos a serem adotados pelas delegacias de polícia e demais órgãos responsáveis para o atendimento de mulheres indígenas vítimas de violências e foi traduzida para guarani-kaiowá e akwen.
A proposta prevê, ainda, a criação de uma rede de apoio multidisciplinar, composta por membros da sociedade civil, advogadas, psicólogas, antropólogas e assistentes sociais, para acompanhar os atendimentos às vítimas. O projeto abrange as violências física, psicológica, sexual, verbal, patrimonial, moral e política. “As mulheres indígenas estão propensas a serem vítimas de violência política, por serem protetoras dos territórios, da Mãe-Terra. Assim, muitas vezes precisam lutar contra o machismo incrustado dentro das comunidades para que o povo resista e sobreviva”, explicou Célia.
Ainda nesse sentido, o governo federal planeja implementar a Casa da Mulher Indígena em cada bioma brasileiro, com o objetivo de oferecer acolhimento às mulheres indígenas vítimas de violência, contando com atendimento psicossocial, orientação jurídica, e espaço de formação e qualificação. Toda a rede de serviços deverá ter profissionais indígenas e indigenistas contratados, como tradutor ou intérprete de línguas.
"Trata-se de um novo serviço especializado da rede de atendimento às mulheres em situação de violência e que considera as peculiaridades dos territórios indígenas e das diversas formas de violência que as atingem, constituindo também uma medida de caráter reparatório para as mulheres indígenas", afirma o Ministério das Mulheres.
Mulheres indígenas para você se inspirar
- Sônia Guajajara — ministra dos Povos Indígenas
- Joênia Wapichana — presidente da Funai
- Célia Xakriabá — deputada federal
- Kaê Guajajara — cantora
- Katú Mirim — rapper indígena
- Txai Suruí — ativista ambiental
- Daiara Tukano — artista visual
- Potyra Terena — professora
- Fernanda Kaingang — diretora do Museu do Índio
- Altaci Corrêa Rubim — professora
- Glicéria Tupinambá — artista e primeira em 400 anos a fazer o Manto Tupinambá
- Aléxia Tuxá — defensora pública
- We'e'ena Tikuna — estilista
- Geni Núñez — psicóloga e escritora
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