Análise

Alexandre Garcia: Milagre da avenida

Para o jornalista, no domingo, em São Paulo, ouviu-se "a voz do líder, pregando a conciliação pela anistia, sem vencedores nem vencidos, pregando justiça com isenção, respeitando oportunidades eleitorais a todos"

No último domingo, um único homem fez encher a Avenida Paulista como nunca se viu. Até onde os drones e suas câmeras alcançavam, a avenida estava lotada. Vieram por um líder. E atenderam seu pedido: não trouxeram uma faixa sequer com insultos a pessoas e instituições.

Muitos vieram de longe, a despeito de alguns bloqueios nas estradas. Bloqueio pelo medo dos que temem o povo. Mas havia também o bloqueio do medo, imposto pelas prisões e condenações pelo 8 de janeiro. Bloquearam até quem não é brasileiro. O jornalista português Sérgio Tavares ficou detido por quatro horas ao chegar para cobrir a avenida. O episódio serviu para repercutir no mundo a realidade do Brasil sobre liberdade de expressão.

A Avenida se mostrou eloquente. Ninguém precisaria falar alguma coisa, em cima de carros de som, porque a simples visão da avenida lotada foi um vozerão que chegou ao mundo no mesmo dia, por via digital e nos jornais do dia seguinte.

O potencial de cidadania foi tão marcante que não precisaria de falas pelos alto-falantes dos carros de som. O que os olhos viram é suficiente para se compreender. Ainda assim, oradores falaram. Nenhuma voz partidária. O partido de todos é o Brasil, como estava escrito na camisa do pastor Malafaia. Falou-se de moral e religião, nas vozes de Michelle e Malafaia.

No fim, veio a voz do líder, pregando a conciliação pela anistia, sem vencedores nem vencidos, pregando justiça com isenção, respeitando oportunidades eleitorais a todos da diversidade política. O pastor havia lembrado, antes, que um juiz havia dito "nós derrotamos o bolsonarismo". Depois, olhou a multidão e percebeu que não precisava retrucar o juiz.

A multidão estava ali, nem um pouco derrotada, repetindo seus princípios de liberdades, direito à vida e à propriedade, não às drogas, ao aborto e à ideologia de gênero. A multidão foi à avenida confirmar esses princípios. E cantou um juramento: "Ou ficar a pátria livre, ou morrer pelo Brasil". Não precisaria haver fala de ninguém.

Ainda assim, o líder pediu anistia para quem não destruiu patrimônio do povo e, sim, para quem apenas se manifestou, como a Constituição garante. Jogou aos plenários do Congresso o desafio da paz e da conciliação. E, se defendendo, lembrou que estado de defesa ou estado de sítio estão previstos na parte da Constituição que trata da defesa do Estado e das instituições. Como se sabe, se foi cogitado, não foi tentado. Enquanto isso, caminhava pela avenida um símbolo: aquela senhorinha de 82 anos, Ilda Ferreira de Jesus, com sua Bíblia no braço, aplaudida por todos. Uma Gandhi pelo estado democrático de direito e pelas liberdades.

Foi uma demonstração de força. Pacífica. Reafirmou o que pensa uma parte na nação, a quem o Estado serve. A avenida disse que quer paz, justiça sem vingança nem perseguições. Pelo seu gigantesco tamanho, ela não disse que apenas quer. Soou como uma exigência.

Não foi um artista popular, um general cheio de canhões, um banqueiro cheio de dinheiro, um demagogo cheio de mentiras quem combinou esse encontro. Foi um homem simples, sem armas, sem dinheiro, sem dotes artísticos, que foi se apresentar de novo, pedindo união por ideais. Pela pátria, pela família, pela moral, pelos direitos, pelas liberdades. Em dias enganosos de hoje, ser seguido nisso pela Paulista lotada é milagre.

 

Mais Lidas