A Unidos do Viradouro é a grande campeã do carnaval do Rio de Janeiro de 2024. A escola, que já havia vencido em 2017 e 2020, recebeu seu terceiro título com o enredo Arroboboi, Dangbé, que homenageia a força das mulheres negras, representada pela serpente vodum, figura mítica sagrada em antigos territórios africanos.
A comissão de frente foi um dos destaques do desfile da agremiação de Niterói, na região metropolitana da capital fluminense. Uma enorme alegoria de cobra, com movimentos articulados e luzes programadas por computador deslizou pelo asfalto da Marquês de Sapucaí. As alegorias coloridas brilhavam no escuro. Um dos carros alegóricos foi feito com ferro-velho do barracão da escola. À frente da bateria estava a rainha Erika Januza, que ocupa o posto pelo terceiro ano consecutivo. A atriz comemorou, emocionada, a vitória na apuração dos votos da comissão julgadora.
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A história escolhida pela Viradouro vem do século 18, na Costa Ocidencial da África, onde aconteceu uma batalha entre guerreiras Mino do reino de Daomé. Elas formavam uma dinastia de sacerdotisas voduns — o filme A mulher rei, com Viola Davis, também conta essa lenda. A escola ainda mostrou que algumas mulheres vindas da África foram acolhidas em terreiros na Bahia, sob a liderança de Ludovina Pessoa, e ajudaram a espalhar a fé dos voduns pelo Brasil.
Quem assina o desfile é o carnavalesco Tarcísio Zanon. O samba enredo tem composição de Claudio Mattos, Claudio Russo, Julio Alves, Thiago Meiners, Manolo, Anderson Lemos, Vinícius Xavier, Celino Dias, Bertolo e Marco Moreno.
A escola vermelha e branca, que encerrou a segunda noite do Grupo Especial na Sapucaí, levou para a avenida dois pré-candidatos à prefeitura de Niterói, acrescentando uma pitada de política à festa popular. A deputada federal Talíria Petrone (Psol-RJ) e o ex-prefeito da cidade Rodrigo Neves (PDT-RJ) estavam unidos, desfilando em meio à multidão.
Resistência
A Viradouro gabaritou, alcançando a nota máxima possível, 270 pontos, nas categorias analisadas pela Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa). Os quesitos foram julgados na seguinte ordem: alegorias e adereços, bateria, evolução, mestre-sala e porta bandeira, comissão de frente, enredo, harmonia, samba-enredo e fantasias. As notas desse último quesito seriam usadas como critério de desempate, se necessário.
No quesito enredo, a Grande Rio, que disputava a liderança na contagem, perdeu três décimos, e a Viradouro assumiu a liderança isolada até o fim da apuração. As notas 10 em fantasia garantiram o troféu.
Um impasse deixou o clima tenso durante a apuração dos votos, pois Grande Rio, Imperatriz, Mocidade e Beija-Flor entraram com recurso para penalizar a concorrente. O motivo: a escola teria ultrapassado o limite de 15 pessoas na comissão de frente, como prevê o regulamento. A penalidade seria o desconto de meio ponto na nota da campeã — o que não seria suficiente para tirá-la do primeiro lugar. A solicitação das escolas ainda será analisada e, hoje, deve sair o resultado do recurso que, na prática, em nada alteraria a classificação da Viradouro.
O vice-campeonato ficou com a Imperatriz Leopoldinense, com a Grande Rio em terceiro. Somam-se ao desfile das campeãs, no sábado, na Marquês da Sapucaí, Salgueiro, Portela e Vila Isabel.
Em comum, as seis escolas de samba trouxeram enredos com forte temática étnica e social. A Imperatriz homenageou o poeta paraibano Leandro Gomes de Barros, com o objetivo de mostrar a força da cultura cigana. A Grande Rio representou um mito tupinambá do livro Meu destino é ser onça, que mostra histórias das nações indígenas brasileiras. A onça da mitologia indígena foi interpretada pela atriz Paolla Oliveira.
Ianomâmis
O Salgueiro fez um desfile emocionante em homenagem ao povo ianomâmi, inspirado no livro A queda do céu — Palavras de um xamã yanomami, que reúne falas do líder indígena Davi Kopenawa. Uma das alas representou os conflitos por terra e o garimpo ilegal na região.
A Portela retratou a força e o afeto da ancestralidade feminina, inspirada na obra Um defeito de cor, que se baseia na carta de Kehinde (Luiza Mahin), mãe do líder abolicionista e poeta Luiz Gama. A escola ainda finalizou o desfile levando 16 mães que perderam seus filhos para a violência. Entre elas, Marinete Silva, mãe de Marielle Franco, vereadora carioca assassinada em março de 2018.
A Vila Isabel reeditou o enredo Gbalá — Viagem ao templo da criação, mais de trinta anos depois. A mensagem era sobre o mal que o ser humano pode fazer à terra, e ainda destacou que salvação está nas crianças, com a proteção de Oxalá. Uma bailarina pendurada pela cabeça em um balão de gás hélio impressionou o público.
A Porto da Pedra ficou com a nota mais baixa do grupo e caiu para o Grupo de Ouro, a segunda divisão das escolas de samba do Rio. A vaga será ocupada pela Unidos de Padre Miguel, que conquistou o título da divisão de acesso.