Memória

Dorothy Stang, a voz que ainda ecoa na floresta

Dezenove anos depois do brutal assassinato da missionária, pouca coisa mudou na disputa de terras na Floresta Amazônica. "Ela conciliava direitos humanos com direitos da natureza" diz o promotor que ajudou a levar os autores ao banco dos réus

O martírio da irmã Dorothy Stang, brutalmente assassinada no Pará, completou 19 anos, ontem. A missionária americana naturalizada brasileira chegou ao país em 1966 para trabalhar como missionária com outras religiosas da congregação Notre Dame de Namur, todas vindas dos Estados Unidos. Em 1970, mudou-se para a cidade paraense de Anapu. Desde então, Dorothy Stang dedicou-se à luta por proteção ambiental e pelos direitos de trabalhadores rurais envolvidos em conflitos por terra. Por essa atuação, foi morta a tiros.

A atividade pastoral da missionária também incluía a geração de emprego e renda com projetos de reflorestamento em áreas degradadas. Ela foi responsável pela criação de um modelo de assentamento rural intitulado Projeto de Desenvolvimento Sustentável em Anapu. Ligado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o assentamento de trabalhadores sem-terra produzia renda sem devastar a floresta. No entanto, a área era disputada por madeireiros e latifundiários.

 Dorothy Stang enfrentou diversas ameaças de morte e, antes de ser assassinada, afirmou que não iria fugir nem abandonar a luta dos agricultores. “Eles têm o direito sagrado a uma vida digna, onde possam viver e produzir sem devastar.” Dorothy foi morta aos 73 anos, com seis tiros, em fevereiro de 2005, em emboscada armada em uma estrada de terra, a 53km de Anapu. Ela foi abordada por dois homens quando se dirigia à reunião de agricultores da cidade. Pouco mais de uma semana depois do crime, após relato de testemunhas, a polícia prendeu os pistoleiros Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista, que confessaram a autoria do atentado e apontaram os fazendeiros Vitalmiro de Bastos de Moura e Regivaldo Galvão como mandantes, e Amair Feijoli da Cunha como intermediário.

Felício Pontes Júnior, procurador regional da República, que atuou no processo que investigou o assassinato da irmã Dorothy, disse ao Correio que o legado da missionária é cada vez mais atual. “Ela conciliava direitos humanos com direitos da natureza quando esse último termo não era nem utilizado naquele tempo. Esses assassinatos e de tantos outros mártires da Amazônia mostram que nós ainda não conseguimos fazer com que o Estado se tornasse presente na região. Quando o Estado não está presente, impera a lei dos mais fortes. Nesse caso, os mais fortes sempre são fazendeiros e madeireiros que ainda constituem a elite econômica da região.”

Pressão internacional

A execução da irmã Dorothy, que teve ampla repercussão na imprensa do Brasil e do exterior, chamou atenção para a ascensão das tensões que aconteciam na região. O assassinato da missionária pressionou o governo brasileiro, que sofreu pressões internacionais, em um momento particular em que se discutia o desmatamento desenfreado da Floresta Amazônica e a violência no campo. À época, o presidente Lula — que governava o país pela segunda vez — afirmou que “só descansaria” quando os responsáveis pelo assassinato fossem presos.

Na avaliação do procurador Felício Pontes Júnior, o assassinato da irmã Dorothy foi um dos poucos homicídios no campo devidamente julgados em que os assassinos foram identificados e condenados à cadeia. “Esse é um dos raros casos na Justiça na Amazônia em que todos aqueles que, pelas provas dos autos, estavam envolvidos no caso, foram devidamente julgados e condenados.”

Dorothy Stang se tornou um símbolo dos conflitos agrários no país. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) prestou homenagem à missionária, ontem, e se posicionou sobre o legado da ativista ambiental. “Neste 12 de fevereiro, a Igreja na Amazônia faz memória dos 19 anos do martírio de Irmã Dorothy Stang. Mesmo com o passar do tempo, Irmã Dorothy continua presente! Seu legado continua vivo na luta do povo por justiça, pelo direito de plantar e colher com dignidade.”

*Estagiária sob a supervisão de Vinicius Doria

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