VIOLÊNCIA AGRÁRIA

Indígena morta na Bahia era do mesmo povo de Galdino; relembre o caso

Maria de Fátima e Galdino eram do povo Pataxó Hã Hã Hãe e a morte de ambos expõe uma triste realidade que persiste há séculos no Brasil: a violência contra povos originários

A indígena Maria de Fátima Muniz, morta no domingo (21/1) após ataque de fazendeiros no sul da Bahia, era do mesma etnia de Galdino Jesus dos Santos, líder indígena que foi queimado enquanto dormia na parada de ônibus da 703 Sul, em Brasília, em 20 de abril de 1997. Maria de Fátima e Galdino eram do povo Pataxó Hã Hã Hãe e a morte de ambos expõe uma triste realidade que persiste há séculos no Brasil: a violência contra povos originários.

O ataque contra a indígena Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó, ocorreu por disparos de arma de fogo na Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, localizada nos municípios de Pau Brasil, Camacan e Itaju do Colônia, no sul da Bahia. O irmão dela, cacique Nailton Muniz, foi atingido no rim e passou por cirurgia no Hospital Cristo Redentor, em Itapetinga. Além disso, entre os feridos também está uma mulher que teve o braço quebrado e outros que foram hospitalizados, mas não correm risco de morte.

Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, cerca de 200 ruralistas se mobilizaram por meio de um chamado de WhatsApp, que convocava os fazendeiros e comerciantes para recuperarem, sem decisão judicial, a posse da Fazenda Inhuma, ocupada por indígenas no último sábado (20/1). Eles cercaram a área com dezenas de caminhonetes. Dois fazendeiros foram detidos, incluindo o autor dos disparos que vitimaram Nega, além de um indígena que portava uma arma artesanal. Segundo a Polícia Militar da Bahia, um fazendeiro foi ferido com uma flechada no braço, mas está estável.

Uma comitiva do Ministério dos Povos Indígenas, liderada pela ministra Sonia Guajajara, embarca para a região nesta segunda-feira (22/1). "Representantes do Ministério, que estiveram recentemente no sul da Bahia, discutindo questões territoriais com as lideranças Pataxó Hã Hã Hãe, também estão em contato com a Coordenação do Distrito Sanitário Especial Indígena da Bahia, para garantir o cuidado com os feridos", informou Sonia.

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) manifestou pesar e indignação pelo assassinato da líder indígena Pataxó Hã Hã Hãe. Maria de Fátima dedicou a vida à luta pelos direitos e cultura de seu povo, sendo um exemplo de resistência para os indígenas. "A Funai expressa solidariedade aos familiares e ao povo Pataxó Hã-Hãe-Hãe neste momento de luto. Comprometida com a justiça, a Funai acompanha de perto as investigações para que os autores do crime sejam responsabilizados, e a segurança dos povos indígenas Pataxó Hã Hã Hãe seja assegurada", pontuou a Funai.

Relembre o caso do indígena Galdino

Na madrugada de 20 de abril de 1997, cinco jovens de classe média alta atearam fogo no corpo do indígena Galdino Jesus dos Santos, 44 anos, que dormia na parada de ônibus da 703 Sul. A vítima estava em Brasília para protestar em favor de demarcação de terra e participar das comemorações do Dia dos Povos Indígenas, festejado no dia anterior ao crime. Galdino teve 95% do corpo queimado, não resistiu aos ferimentos e morreu cerca de 20 horas depois de dar entrada no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), com dificuldades respiratórias e problemas renais. 

Os amigos Max Rogério Alves, 19 anos; Eron Clóvis de Oliveira, 18 anos, Antônio Novely Cardoso Vilanova, 19 anos; Thomas Oliveira de Araújo, 19 anos, e o menor de idade G.O.A., 16 anos, irmão de Thomas, afirmaram que resolveram “fazer uma brincadeira” com Galdino. O adolescente teve a internação em instituição socioeducativa substituída por liberdade assistida. Os outros acusados foram condenados a 14 anos de prisão por homicídio triplamente qualificado. No entanto, sete anos depois do caso, em 2004, nenhum deles permanecia preso. Atualmente, os responsáveis pela morte de Galdino ocupam cargos no funcionalismo publico.

Uma semana depois do assassinato brutal, o local onde o indígena foi incendiado foi batizado de Praça do Compromisso e, mais tarde, de Praça do Índio. Em 3 de junho do mesmo ano, um ato de protesto marcou a inauguração da obra do artista plástico goiano Siron Franco, que criou o Monumento Galdino — pesando uma tonelada e 2,2m de altura. A peça foi produzida com base no desenho feito pela perícia policial do corpo do indígena. O monumento fica a 50 metros do ponto de ônibus onde os jovens atearam fogo ao indígena.

Galdino também teve um irmão assassinado: o líder Pataxó João Cravim, que foi morto em 16 de dezembro de 1988 em uma emboscada na estrada que liga a aldeia à cidade de Pau Brasil, na Bahia.

O Correio tenta contato com a Funai e com a Coordenação do Distrito Sanitário Especial Indígena da Bahia para saber mais informações sobre a relação de Galdino e Maria de Fátima, mas até a publicação desta matéria o jornal não obteve resposta.

Saiba mais sobre a história de Galdino no podcast Crimes de Brasília:

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