Às vésperas do carnaval, Belo Horizonte se prepara para receber a maior festa de rua do seu calendário. Em entrevista ao programa “EM Minas” de ontem, o presidente da Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur), Gilberto Castro, contou quais são as expectativas para a folia e como a prefeitura da capital mineira tem se preparado para bater recordes e manter a qualidade do evento.
Castro explica que o foco do poder público é manter todas as características marcantes da folia de BH, diante de um crescimento que se tornou “inevitável”. “O carnaval de Belo Horizonte vem crescendo, mas sempre com uma preocupação muito grande de como conseguir manter as nossas qualidades. Manter a diversidade e pluralidade, mas também a segurança e as coisas funcionando, com um impacto menor na cidade”, disse.
Com o período oficial do carnaval de BH 2024 começando em 27 de janeiro e indo até 18 de fevereiro, a prefeitura espera mais de 580 desfiles de 532 blocos cadastrados. Apesar dos números, o cancelamento de blocos tradicionais preocupa a administração da cidade. “A prefeitura dá toda a condição para o bloco desfilar (...). Mas o custo do bloco com banda, artistas, trio elétrico, figurino, não é baixo. E foi ficando muito alto, com o mercado aumentando (…). Hoje se tem uma necessidade de um investimento maior”, explica Gilberto Castro.
Mesmo com os desafios, o gestor de turismo espera uma grande festa, movimentando mais de R$ 2 bilhões na economia e 5 milhões de foliões nos 20 dias do calendário oficial. Estes e outros pontos da entrevista sobre o a festa de Momo e o turismo da capital estão na íntegra do “Em Minas”, um programa da TV Alterosa, do Estado de Minas e do Portal UAI, que você lê a seguir.
A prefeitura tem expectativa de bater o recorde de foliões na rua no carnaval de BH 2024. O que está sendo feito para garantir que esse desejo se concretize?
O carnaval de Belo Horizonte vem crescendo, mas sempre com uma preocupação muito grande de como conseguir manter as nossas qualidades. Manter a diversidade e pluralidade, mas também ter segurança, as coisas funcionando, com um impacto menor na cidade. Então, a gente vem atuando dentro dessa lógica, mas obviamente o carnaval vem crescendo substancialmente, e este ano a gente já teve alguns indicadores de que será um grande carnaval. Tivemos o recorde de cadastros de blocos de rua, foram 532, com 580 desfiles. Desse total, muitos desistem, cerca de 15%, 20%. Como todos sabem, para ter o apoio da prefeitura é necessário o cadastramento. Então, todo mundo se cadastra e depois pensa se vai sair. A gente já fez quase 500 reuniões com blocos. O carnaval de BH é o único do Brasil que, de fato, customiza o desfile, sentam os órgãos com os blocos (e conversam) a respeito daquele território que ele quer sair, o horário, a rua.
Qual a expectativa de público?
Em 2023, foram cerca de 5 milhões de foliões, mas obviamente esse número é a soma dos foliões durante os dias. Vale lembrar duas informações. Primeiro que o carnaval de Belo Horizonte tem um período oficial, começa agora em 27 de janeiro e vai até 18 de fevereiro. Quando falo do público, não me refiro ao público de quatro dias de carnaval, mas de 20 dias. E o segundo ponto é, de fato, a soma dos foliões durante todos esses dias. Não temos como distinguir a pessoa que foi em dois blocos, não tem como fazer isso.
A cidade assiste a esse crescimento exponencial no movimento dos foliões e de blocos. Com esse calendário efervescente, hoje Belo Horizonte tem um dos carnavais mais movimentados do país?
Sem dúvida, nós somos um dos cinco maiores carnavais do país, apesar de o foco da prefeitura não estar em ser o maior. A gente vem buscando entregar uma qualidade, entregar segurança para o folião. Entregar uma cidade preparada para receber o turista, com a melhor gastronomia, com bons hotéis, e com preço baixo se a gente comparar com os outros carnavais. Acho que o carnaval de Belo Horizonte tem uma série de forças, uma série de qualidades, e a gente busca muito manter todas essas características. Não só, como disse, ter blocos espalhados por todas as regionais, obviamente isso traz um trabalho muito maior. São Paulo, por exemplo, dependendo do tamanho do seu bloco, você vai escolher entre a avenida um, dois e três. Aqui a gente ainda vem buscando respeitar os blocos, que fazem essa grande festa. Mas sempre mantendo a qualidade, a preocupação com segurança, com mobilidade, e uma série de itens que aqui para a gente são inseparáveis de um bom carnaval.
Neste ranking de cinco, o primeiro é o do Rio de Janeiro?
Não sei nem te dizer de tamanho. Acho que os grandes são Rio, São Paulo, Salvador, Recife/Olinda e Belo Horizonte. São as cinco grandes capitais. Durante a pandemia, a Marah Costa, nossa diretora de eventos, procurou os sete maiores carnavais do país – e aí a gente incluiu Vitória (ES) e Brasília (DF) – para discutir as práticas que dão certo e que não dão certo. São carnavais que têm mais de 100 anos, e o nosso é muito mais jovem. A gente vem discutindo com todas essas cidades e tentando aprender com os erros e os acertos pra gente transformar o carnaval de Belo Horizonte.
O crescimento me parece inevitável. A gente ouve pessoas fora de Belo Horizonte querendo passar o carnaval na cidade, o que parece, de alguma maneira, uma coisa maluca ...
Isso é uma realidade. Nas nossas pesquisas no Observatório do Turismo, a maioria dos turistas é da Região Sudeste, em especial Rio e São Paulo – e, claro, do interior de Minas Gerais. O que acontece, e é muito bom para a cidade, é que antes Belo Horizonte exportava folião, hoje a gente importa. O belo-horizontino é feliz com o seu carnaval, mas acho que vamos ter um aumento significativo de turistas. BH como um todo é uma cidade que já vem se apropriando do seu carnaval, tem orgulho. São 2,5 milhões de habitantes, a gente sabe que muitos viajam, muitas pessoas não gostam de carnaval. A gente faz carnaval inclusive para quem não gosta. O crescimento é inevitável e a gente espera que cresça de fato, mas o importante é procurar o crescimento qualitativo, buscando turista, porque ele vem e gera renda, emprego, movimenta a cadeia de hotéis, táxis, aeroporto, rodoviária, restaurantes, botecos, bares, lojas, shoppings etc.
Os blocos de BH nasceram como um movimento independente e tinham até uma contestação em relação à prefeitura. Mas foram crescendo e agora a gente tem visto alguns cancelando a participação no carnaval por falta de patrocínio. Quais desafios eles estão enfrentando?
Estou no meu sexto carnaval. Quando olho para trás, é muito interessante ver o quanto que em cada ano o desafio foi mudando. No meu primeiro, em 2017, já existia um cadastramento, mas a gente tinha um número grande de blocos que não se cadastravam e desfilavam de forma aleatória. Naquele ano, era importante fazer com que eles acreditassem na gestão, na época do (ex-prefeito, Alexandre) Kalil, e que a gente pudesse fazer um trabalho juntos. Hoje, a gente tem 99% dos blocos cadastrados. É raro sair um bloco não cadastrado, porque acaba não tendo uma estrutura, que ficou muito grande. A prefeitura dá toda a condição para o bloco sair, ela para o trânsito, oferece banheiro, grades, policiamento, limpeza. Mas o custo do bloco com banda, artistas, trio elétrico, figurino, não é baixo. E foi ficando muito alto, com o mercado aumentando. O trio elétrico, por exemplo, foi ficando cada vez mais caro, e hoje se tem uma necessidade de um investimento maior. Não só para o carnaval de Belo Horizonte, na busca pelo patrocínio, mas para os próprios blocos de rua. Se eu falar das escolas de samba e dos blocos caricatos, é a mesma coisa.
Ao mesmo tempo que se tem cancelamentos, houve mais de 160 inscrições de novos blocos. Há uma renovação?
Tem o fenômeno de renovação e de alguns blocos que cancelam, o que é que ruim e preocupa a gente. Acho que o carnaval também vai se transformando. Quando olho para trás, vejo blocos que eram grandes e foram fazendo movimentos para diminuir mesmo. Tem bloco que definiu e nunca saiu com carro elétrico, que se manteve desde o início com bateria, como era a banda de Ipanema até pouco tempo atrás, só com os músicos tocando na rua. E conseguem, de alguma forma, se manter pequenos e ter um custo baixo. Tem uma diferença entre o bloco que faz um trabalho de ano inteiro e aquele que chega dizendo: ‘Vamos embora galera, vamos sair’. A gente tem uma diversidade muito grande e acho que esse é o desafio.
O carnaval deste ano vai acontecer com a Praça da Estação fechada, um dos principais pontos de encontro e concentração. Isso forçou a PBH a trabalhar mais para a descentralização?
Na verdade, esse é um projeto que já estava no cronograma. O prefeito Fuad (Noman) vem com esse importante projeto de revitalizar o Centro. A Belotur usa muito a Praça da Estação para fazer eventos, como o Arraiá de Belo Horizonte, mas ela precisava realmente de uma reforma. A gente enxerga com bons olhos esse projeto do prefeito. A grande verdade é que, obviamente, a gente tem uma perda simbólica de não ter a Praça da Estação. Mas quando a gente fala de blocos de rua não tem nenhuma perda. Todos os blocos que por ali passavam, dispersavam ou que iniciavam, vão permanecer. Talvez o maior deles, que é o Então, Brilha!, continue se dispersando ali, porém sem o uso da praça. Mas no contraponto, desde 2017, a gente faz um trabalho de descentralização. Quando a gente entendeu que o carnaval estava quase que exclusivamente nas regiões Centro-Sul e Leste, a gente criou um edital específico para blocos de rua. No último ano, investimos R$ 1,6 milhão, neste a gente está apoiando quase 110 blocos. Os blocos que não estão nessas regiões têm uma pontuação extra.
A prefeitura publicou um novo modelo de edital de patrocínio. Mudou muita coisa? Deu certo?
A gente tem que ter transparência nessa questão. Existe uma mudança de mercado no pós-pandemia, não é apenas o carnaval de Belo Horizonte que vem passando por isso. As marcas vêm tentando fazer o patrocínio por meio da Lei de Incentivo. Não tenho absolutamente nada contra. Mas a gente não consegue ter o valor necessário de patrocínio na Lei de Incentivo, então vem tendo um pouco dessa discrepância e tentamos ajustar os editais diante do que o mercado vem dizendo. A Belotur fez consulta pública para entender o mercado e, diante do que fomos recebendo de informações, foram feitas algumas mudanças. Hoje temos alguns patrocinadores oficiais: a Fecomércio (Federação do Comércio de Minas Gerais); a CDL/BH (Câmara dos Dirigentes Lojistas); e temos o patrocínio do governo de Minas, entrando com R$ 4 milhões direto na prefeitura. A gente ainda tem algumas conversas, ainda é bem factível que eu volte e conte novidades, porque a gente permanece em busca desses patrocinadores.
Está acontecendo neste fim de semana um teste de nova sonorização. Esse teste acontece em duas avenidas, não é isso?
O teste acontece em uma das duas avenidas onde vamos ter no carnaval. O teste é na Andradas e no carnaval teremos também na Avenida. Amazonas. É uma sonorização que está sendo financiada pelo governo do Estado, para que dê esse apoio sonoro aos blocos que passam nessas duas avenidas e que acabam tendo um número grande de desfiles. Sendo bem-sucedido, podemos levar isso para outras áreas posteriormente, apesar de ter um custo alto. Parece que o governo está investindo cerca de R$ 4,5 milhões. Sem sombra de dúvida, a gente precisa pensar nisso de forma a ampliar e atender mais blocos.
Dados do Observatório do Turismo registraram um faturamento de R$ 2 bilhões do setor no primeiro trimestre do ano passado. Como é que funciona essa cadeia do carnaval?
Belo Horizonte sempre sofreu com um mercado de um ano bom, outro ruim. Em alguns momentos com grandes eventos bons, e depois ruins. Acho que o carnaval hoje virou uma potência, e por isso o número do primeiro trimestre vem tão grande. São mais de R$ 2 bilhões de impacto econômico dessa cadeia como um todo, ou seja, não é somente do carnaval. Isso é importante porque gera emprego, renda, então a gente vem tentando trabalhar com alguns pilares. Trabalhamos com Belo Horizonte como uma cidade de eventos e que está preparada. Não só com os festivais, mas também eventos corporativos. Temos a questão da gastronomia, e não resta dúvida: temos a melhor gastronomia. E a gente vem inserindo Belo Horizonte como uma cidade que propõe uma série de outras experiências.
Os que são um pouquinho mais velhos se lembram de Belo Horizonte completamente deserta no carnaval. Quando aconteceu a virada?
A gente não pode esquecer que sempre tivemos um carnaval onde as escolas de samba e os blocos caricatos estiveram presentes. Quando a gente olha para trás, o carnaval de passarela, como a gente chama, foi um dos dois principais. Em 2009/2010 começa esse movimento dos blocos de rua que ganhou um maior porte em 2015, quando todo mundo começou a olhar para essa história. Em 2016, quando assumi a diretoria de eventos da Belotur, eu procurava as redes de hotéis para falar de carnaval e não tinha uma crença de que aquilo ali viraria o que é hoje. Eu falava: ‘Poxa, vamos fazer o investimento, me ajuda a divulgar. Vamos colocar isso na rede toda’. Pensa, em 2016 ainda tinha uma certa descrença entendendo que era o movimento, mas que poderia acabar. O poder público e os atores conseguiram fazer um trabalho muito bem feito.
O carnaval de BH funciona como um cartão de visitas?
A capital era sempre vendida nas agências de turismo junto com cidades históricas, e hoje estamos sendo vendidos como Belo Horizonte, onde a gente tem uma semana para oferecer e a pessoa não consegue nem dormir. E temos BH enquanto cidade de evento de negócios, e a importância disso é gigante, tanto é que os nossos equipamentos quase não têm data. Só que a gente foi muito além, é uma cidade de negócios, que tem um entorno maravilhoso com Inhotim e cidades históricas. Realmente é uma força. Mas também somos uma cidade de festivais, gastronomia, de experiências. Nas entrevistas de carnaval que fazemos com os turistas, 90% dizem que têm vontade de voltar a Belo Horizonte. É uma capital receptiva, se tivesse mar não tinha pra ninguém.
A gente está vivendo o desenvolvimento de corredores gastronômicos. Temos a Praça da Estação, Praça Raul Soares, o Mercado Novo. Como é que o senhor está vendo esse movimento?
A primeira questão, e a mais importante, é a singularidade da nossa gastronomia. A qualidade e a importância que a nossa gastronomia tem para o nosso país. E acho que essa é a maior força. Acho que a gente demorou para gritar e bater no peito o movimento iniciado por Dona Lucinha e outras grandes cozinheiras que sempre defenderam a nossa gastronomia. Em 2017, a gente começa a fazer um trabalho dentro dessa vertente e vai buscar o reconhecimento de BH pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como cidade criativa da gastronomia. Nesse momento, a gente teve um apoio incondicional do setor inteiro, de todos os chefs, dos mercados etc. Conseguimos esse título. A iniciativa privada vem conseguindo demonstrar essa economia criativa. Acho que o principal é, desde a dona de casa, o cidadão comum, todo mundo batendo no peito e sabendo que a nossa gastronomia merece destaque e reconhecimento.
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