MINAS GERAIS

Cinco anos depois, Brumadinho sente os efeitos do rompimento de barragem

Em 25 de janeiro de 2019, o rompimento da barragem do córrego do Feijão matou 272 pessoas e provocou uma tragédia ambiental em 26 cidades e 131 comunidades rurais, entre as quais estão indígenas e quilombolas

Homens e tratores em ação na barragem do Corrego do Feijão: após cinco anos, ainda resta encontrar três vítimas da tragédia -  (crédito:  Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Homens e tratores em ação na barragem do Corrego do Feijão: após cinco anos, ainda resta encontrar três vítimas da tragédia - (crédito: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Brumadinho (MG) — Nos cinco anos desde o rompimento da barragem do córrego do Feijão, a Vale investiu R$ 25,5 bilhões na tentativa de reparar o irreparável. Seja morador ou visitante, para quem quer que percorra a cidade reconstituída, ecoa a memória das 272 vidas dizimadas por um reconhecido erro da companhia de mineração, que provocou o acidente.

Em 25 de janeiro de 2019, às 12h28, a barragem vomitou 12 milhões de metros cúbicos de uma lama escura, que invadiu o rio Paraopeba e seguiu, a aproximadamente 100km/h, arrastando prédios e pontes, destruindo máquinas e triturando pessoas. Entre as 270 vítimas, duas estavam grávidas. Três delas ainda restam localizar: Maria de Lourdes da Costa Bueno, Nathalia de Oliveira Porto Araújo e Thiago Tadeu Mendes da Silva.

Os rejeitos se arrastaram por 400km do rio, afetando um total de 26 municípios e 131 comunidades, entre as quais estão povos indígenas e quilombolas. Fora da bacia do Paraopeba, 27,6 mil quilômetros quadrados foram prejudicados, com a contaminação da água e do solo.

 12/01/2024. Credito: Edesio Ferreira/EM/D.A Press. Brasil. Brumadinho. MG. Descomisionamento das barragens da Vale. Barragem Corrego do Feijao. Na foto, vista da praca 25 de janeiro, no centro de corrego do feijao.       Copyright
Os moradores ganharam a praça 25 de Janeiro, que faz alusão ao rompimento da barragem em 2019 (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

"Erramos, sim. Mas o nosso objetivo agora é tentar acertar para evitar novas tragédias", reconhece a diretora de Reparação da Vale, Gleusa Josué. "Não há consolo para a dor da perda. Mas ela pode ser ressignificada", completa, ao descrever as ações que vêm sendo implementadas pela Vale desde o desastre.

Os R$ 25,5 bilhões aplicados até o momento correspondem a 68% do total de R$ 37,6 bilhões previstos no Acordo Judicial de Reparação Integral (AJRI). Assinado em 2021, entre a Vale, o governo de Minas Gerais, Ministério Público Estadual e Federal e a Defensoria Pública de Minas Gerais, o acordo foi o instrumento que definiu as obrigações de fazer e pagar para a reparação socioeconômica e socioambiental da região. De acordo com Gleusa, algumas dessas obrigações já vinham sendo construídas a partir de 2019 e foram incorporadas ao documento.

Para as obrigações a pagar, o acordo prevê o desembolso de R$ 19,9 bilhões, dos quais 86% já foram cumpridos. Já as obrigações a fazer, que envolvem R$ R$ 11,4 bilhões, tiveram 23% das ações concluídas. Outros R$ 6,3 bilhões foram executados antes do acordo ser assinado.

Além desses valores, a Vale despendeu um total de R$ 3,5 bilhões para indenizar 15,4 mil pessoas, a partir de acordos judiciais feitos em Brumadinho, nos municípios da Bacia do Paraopeba e das áreas evacuadas preventivamente por conta da emergência de barragem. Mais de 5,6 mil pessoas receberam atendimentos pelo Programa de Assistência Integral ao Atingido (PAIA), com suporte e orientações financeiras gratuitas após o pagamento das indenizações individuais.

Diversificação econômica

Umas das metas de reparação é reduzir a dependência da mineração, explorando outros potenciais das cidades, como o turismo, o artesanato e o comércio. O catálogo Céu de Montanhas identificou o potencial turístico da cidade e desenvolveu 39 vivências turísticas que podem ser exploradas por quem vem de fora. Entre as iniciativas estão o Circuito de Quilombos de Brumadinho, que já venceu a categoria Diversidade do Prêmio Cumbucca de Gastronomia.

Outra ação é a parceria da Vale com o Instituto Inhotim para fortalecer novos negócios na cidade. O acordo possibilitou a ampliação da gratuidade na entrada para todos os visitantes às quartas-feiras. O museu também passou a incorporar o catálogo Céu de Montanhas em seu site.

No córrego do Feijão, onde ocorreu o desastre, está sendo desenvolvido o projeto de ressignificação, para promover a melhoria da qualidade de vida e o fortalecimento da economia, com o empreendedorismo social.

Os moradores ganharam a praça 25 de Janeiro, que faz alusão ao acontecimento, o Mercado Central Ipê Amarelo, e o Centro de Cultura e Artesanato Laudelina Marcondes. Lá, também foram construídas duas cozinhas comunitárias, com o restaurante para atender os turistas.

Flávia Soares, gerente de fomento econômico da Vale, que já atuava em Brumadinho antes da tragédia, conta que todos os equipamentos foram projetados e construídos em conjunto com a comunidade local. "Trata-se de um processo dialogado e que surge a partir de demandas endógenas, e de questões que já eram relevantes e puderam ser trazidas à tona (após o desastre)." A proposta foi trabalhar uma conjunção entre arquitetura, urbanismo, paisagismo e desenvolvimento humano para fomentar a economia. "Essa foi a estratégia adotada para que a gente pudesse ressignificar a dor e construir o futuro. E sempre com muito diálogo", comenta a gerente.

 12/01/2024. Credito: Edesio Ferreira/EM/D.A Press. Brasil. Brumadinho. MG. Descomisionamento das barragens da Vale. Barragem Corrego do Feijao. Na foto, gerente de fomento economico da reparacao Flavia Soares.       Copyright
Flávia Soares diz que houve interlocução para definir todas as obras (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Em 2023, segundo Flávia, o projeto conseguiu movimentar R$ 500 mil na economia local. A intenção, diz, é que a comunidade passe a administrar o projeto, a partir de um sistema de cogestão. Para isso, a Vale está capacitando os integrantes do comitê gestor e oferece o suporte técnico aos empreendedores.

A repórter viajou a convite da Vale.

A dor das famílias das vítimas

Andresa, presidente da Avabrum, perdeu o filho Bruno, de 26 anos, recém-formado em engenharia
Andresa, presidente da Avabrum, perdeu o filho Bruno, de 26 anos, recém-formado em engenharia (foto: Arquivo pessoal)

O mea-culpa da Vale não é suficiente para comover os familiares das vítimas do acidente. Para além da indenização ou das obras de reparação, eles trabalham para manter viva a memória dos entes e punir os responsáveis pelo grave crime que acreditam ter a Vale cometido.

"Esses R$ 37 bilhões são oriundos do sangue de nossos parentes. É dinheiro de sangue, oriundo da nossa lágrima e da nossa dor", desabafa a Andresa Rodrigues, presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos da Tragédia do Rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão Brumadinho (Avabrum).

Andresa é mãe de Bruno Rocha Rodrigues, um engenheiro recém-formado, de apenas 26 anos, "apaixonado pela Vale", conforme descreve a mãe. O ressentimento pela Vale, a quem ela e outros integrantes qualifica como "assassina", se redobra quando recorda o quanto o filho se dedicou à empresa e "foi traído" com a negligência da Vale ao permitir o acidente.

"A nossa luta é por justiça e pela responsabilização. Se não há responsabilização, não há reparação e não há alento, não existe", diz Andresa. "É preciso que os responsáveis por esse crime sejam apontados e que paguem por aquilo que cometeram, para que sirva, inclusive, de efeito pedagógico, para que isso seja corrigido", completa.

No momento, os advogados da Avabrum trabalham para que o Tribunal Federal da 6ª Região (TRF-6) não conceda o habeas corpus ao ex-presidente da Vale Fabio Schvartsman, à frente da empresa no período. Na semana passada, o juiz Flávio Boson, deu parecer favorável ao pedido de habeas corpus feito por Schvartsman para trancamento da ação. O julgamento foi interrompido porque o juiz Pedro Felipe pediu vista do processo.

"Faltam dois votos. E nossos advogados estão atuando para que ele responda pelo crime que cometeu", diz Andresa. "Falo com o coração de mãe, mas falo com a razão e com o conhecimento de quem teve acesso aos documentos produzidos que estão nos laudos. E lá tem as provas. Foi crime, é crime e segue sendo crime."

Para manter viva a história, está pronto para ser inaugurado o memorial em homenagem às vítimas. A instalação, criada pelo arquiteto mineiro Gustavo Pena, teve a construção custeada pela Vale, que também vai bancar a manutenção e a conservação. Já a gestão, ficará a cargo da Avabrum.

 

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postado em 14/01/2024 04:09 / atualizado em 15/01/2024 13:05
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