A cerimônia de lançamento, no Palácio do Planalto, de um plano voltado para garantir dignidade à população em situação de rua tornou-se um evento que terminou por homenagear, sobretudo, Luiz Inácio Lula da Silva e Alexandre de Moraes. Enquanto o presidente da República foi saudado pelo padre Julio Lancellotti — que faz, em São Paulo, um trabalho de atendimento àqueles de vivem nos locais públicos da capital — como alguém que tem preocupação com a população vulnerável, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) foi festejado pela platéia como defensor da democracia — foi recebido aos gritos de "vai Xandão" e "sem anistia", em referência aos bolsonaristas que estão sendo julgados pela tentativa de golpe de 8 de janeiro.
Assim que se dirigiu ao púlpito para discursar, Moraes — responsável pela decisão que proibiu a remoção forçada da população de rua e dar 120 dias para que o governo federal elaborasse uma política pública voltada para esse grupo — foi ovacionado. O ministro ficou claramente sem jeito com a homenagem.
"O século passado foi, justamente, o da proclamação de direitos humanos e de início das conquistas. São conquistas árduas, difíceis e, infelizmente, demoradas. Mas são obtidas a partir de uma permanente luta por igualdade. O STF faz parte também dessa conquista, porque a mais importante missão da Corte é garantir a dignidade da pessoa humana para todos", salientou.
Lula, por sua vez, foi homenageado por Lancellotti, que fez um discurso no qual destacou a dificuldade de derrotar Jair Bolsonaro, nas urnas, nas eleições presidenciais de 2022. "Lutamos muito para te eleger, presidente. Para que o senhor, voltando ao Palácio do Planalto, também pudessem voltar a este palácio os pobres, os moradores de rua, as mulheres, os LGBTs, os indígenas, as religiões de matriz africana, os sem religião, os que lutam pela dignidade humana. O povo da rua, estando neste palácio, não vai ter nenhum arranhão do patrimônio público, porque vamos conservar aquilo que é nosso", exaltou Lancelotti.
A cerimônia marcou o lançamento do plano Ruas Visíveis e, também, da assinatura da Lei Padre Júlio Lancellotti, que regulamenta a decisão de Moraes. Lula ressaltou que não ter onde morar é uma situação "degradante".
"Sabemos que o Estado, muitas vezes, não cuida das pessoas em situação de rua, que a sociedade não se importa, que muitas vezes passamos por essas pessoas e viramos o rosto para não enxergar a realidade. Não há nada mais degradante do que não ter onde morar", observou.
O Brasil tem, atualmente, cerca de 221 mil pessoas em situação de rua, de acordo com dados do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) — quase o dobro do número registrado em 2018. Para auxiliar essa população, o governo federal destinará R$ 982 milhões para ações do Ruas Visíveis.
Áreas temáticas
O programa está dividido em sete áreas temáticas: assistência social e segurança alimentar; saúde; violência institucional; cidadania, educação e cultura; habitação; trabalho e renda; e produção e gestão de dados. O primeiro setor receberá o maior investimento (R$ 575 milhões), seguido da saúde (R$ 304 milhões).
O carro-chefe do programa, segundo o MDHC, é o Moradia Cidadã, que segue o modelo internacional de housing first (moradia primeiro) e terá projeto piloto nas capitais no próximo ano — inicialmente serão três, que ainda não foram anunciadas. A ideia do programa é proporcionar moradia imediata àqueles em situação crônica de rua — que são os que há mais de três anos estão nessa condição. Segundo o ministério, serão priorizadas famílias chefiadas por mulheres e que tenham crianças. O Estado deverá alugar casas para essas pessoas deixarem os locais públicos.
Dados do Observatório de Direitos Humanos, plataforma de dados sobre populações vulneráveis do MDHC, apontam o perfil de quem está nas ruas atualmente. As pessoas nessa situação são majoritariamente homens (88%) adultos (57% estão na faixa entre 30 e 40 anos) e negros (50% pardos e 18% pretos). A maioria sabe ler e escrever (90%) e teve emprego com carteira assinada (68%). Apesar de as mulheres serem minoria (13%), foram vítimas de 40% dos casos de violência nas ruas — 88% dos ataques são físicos.
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