IBGE

Aumento do trabalho infantil sob Bolsonaro interrompe tendência de queda

Aumento foi registrado entre 2019 e 2022, durante governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Uma a cada cinco crianças e adolescentes na situação de trabalho infantil trabalham 40 horas ou mais por semana

Jovens ambulantes trabalham sozinhos ou com familiares na Rodoviária do Plano Piloto -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Jovens ambulantes trabalham sozinhos ou com familiares na Rodoviária do Plano Piloto - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
postado em 21/12/2023 03:55

O aumento do trabalho infantil no Brasil entre 2019 e 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, interrompe a tendência de queda que vinha sendo observada desde 2016, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2022, a pesquisa apontou que quase 1,9 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos estavam envolvidos em situação de trabalho infantil, representando 4,9% da população nessa faixa etária. Essa estatística contrasta com a redução observada em 2019, quando o contingente estava em 1,8 milhão (4,5%). Devido às restrições da pandemia da covid-19, a pesquisa não foi divulgada nos anos de 2020 e 2021.

Luísa Carvalho Rodrigues, coordenadora nacional de Combate ao Trabalho Infantil e de Promoção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Trabalho (MPT), lembra que o Brasil se comprometeu com a meta de erradicar o trabalho infantil até 2025. A meta faz parte da Agenda 2030 para Desenvolvimento Sustentável, criada em 2015 pelas Nações Unidas, composta por 17 objetivos e 169 metas. Entretanto, ela reforça que, se o país mantiver o atual ritmo, não será possível alcançar esse objetivo.

"(O resultado da pesquisa) É um retrocesso e vai na contramão do que vinha acontecendo historicamente no nosso país. Nos deixa ainda mais distantes de erradicar o trabalho infantil", lamenta. "Nós demos um passo para trás", emenda.

Na avaliação da procuradora do MPT, é necessário que haja o fortalecimento das políticas públicas e ações voltada à erradicação do trabalho infantil. "É necessário que haja programas de transferência de renda, de geração de renda e trabalho, escolas em tempo integral... as iniciativas são múltiplas."

Segundo ela, "também é preciso ter ações estratégicas de proteção social, que são inserir a criança e o adolescente em situação de trabalho infantil e a sua família na rede socioassistencial".

 20/12/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Trabalho infantil semáforo p´roximo ao edifício Varig na W3 Norte.
É comum avistar pelas ruas de Brasília adultos com crianças pequenas pedindo dinheiro próximo a semáforos (foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Jornada de 40 horas ou mais por semana

O levantamento do IBGE mostra que uma em cada cinco crianças e adolescentes trabalha 40 horas ou mais por semana. Entre os que realizavam atividades econômicas, os adolescentes de 16 e 17 anos predominavam (60,6%), enquanto aqueles envolvidos na produção para consumo próprio tinham maior representação entre os grupos de 5 a 13 anos (47,5%).

"Observamos que a jornada de trabalho cresce conforme a idade e a maior proporção dos que trabalham de 40 horas ou mais ficou com os adolescentes de 16 e 17 anos. Nesse grupo etário, há o crescimento do abandono escolar, o que pode contribuir para a maior jornada entre parte desses adolescentes", analisa a coordenadora de Pesquisas por Amostra de Domicílios do IBGE, Adriana Beringuy.

Destaca-se que, em 2022, 756 mil crianças e adolescentes estavam envolvidos em atividades classificadas na Lista TIP, que cataloga as piores formas de trabalho infantil no país. Essas atividades incluem trabalhos na construção civil, em matadouros, oficinas mecânicas, comércio ambulante em locais públicos, coleta de lixo, venda de bebidas alcoólicas, entre outras, caracterizando-se por riscos de acidentes e prejuízos à saúde.

A classificação adotada pelo IBGE segue as orientações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que define como trabalho infantil todas as atividades prejudiciais para a saúde e desenvolvimento da criança, interferindo em sua escolarização.

A Constituição Federal, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbem que crianças menores de 16 anos trabalhem, exceto como aprendizes a partir dos 14 anos. Além disso, há vedação ao trabalho noturno, perigoso ou insalubre antes dos 18 anos.

Dura realidade a poucos metros da Esplanada

Na movimentada região central de Brasília, a poucos quilômetros do imponente Congresso Nacional, a dura realidade do trabalho infantil se revela por meio das histórias de crianças que podem ser avisatadas entre os ambulantes da Rodoviária do Plano Piloto. Muitas delas enfrentam o desafio de contribuir para o sustento familiar, seja apoiando os pais em seus comércios ou fazendo suas próprias vendas, seja de doces ou garrafas de água.

Maria**, avó de Pedro, um menino de 14 anos, compartilha a história do neto que, desde os oito anos, a auxilia na venda de roupas íntimas, vestidos e shorts. Atualmente, ele está à procura de um emprego como jovem aprendiz. A iniciativa foi motivada pelo desejo de ajudar a família.

Durante o período escolar, o jovem reserva apenas os sábados para contribuir nas vendas. Nas férias, contudo, a presença do adolescente se estende pelos dias da semana. A avó explica a importância do trabalho do garoto. "É necessária a ajuda que ele me dá porque somos só nós dois. Para não ficar só em casa, eu levo ele para me ajudar", conta Maria, que diz ter condição de manter o jovem, mas que prefere que ele trabalhe com ela. 

*Estagiárias sob a supervisão de Andreia Castro

**Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada


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