O deputado Anderson Moraes (PL) apresentou, na Assembleia Legislativa do estado, um projeto autorizando a criação, pela administração do governador Cláudio Castro, de milícias de moradores para agir na contenção da violência onde moram. A proposta vem no momento em que grupos de justiceiros se formam, via redes sociais, em função da onda de roubos e furtos cometidos por jovens e adolescentes que assola Copacabana, na zona sul carioca. O ápice do descontrole na segurança pública no bairro foi o brutal espancamento do empresário Marcelo Rubim Benchimol, no sábado passado, ao tentar evitar que uma mulher fosse assaltada.
O Projeto 2.736/23 foi publicado, ontem, na sessão destinada à Alerj, no Diário Oficial do estado (veja fac-símile ao lado). Propõe a instituição do "Programa Guardião da Segurança Pública no Estado do Rio", que permitiria a "cidadãos praticantes de artes marciais ou ex-agentes de segurança pública ou privada" apoiar o policiamento "em áreas com altos índices de roubos e furtos". Segundo o texto do deputado, que é aliado de primeira hora do ex-presidente Jair Bolsonaro, os justiceiros ainda seriam remunerados por cada prisão efetuada.
De acordo com o projeto, caberia aos órgãos de segurança pública capacitar os milicianos e fornecer equipamentos para a "imobilização do criminoso e comunicação imediata às delegacias de polícia". Diz, ainda, que os justiceiros devem atuar conforme "ações pautadas pelo respeito aos direitos humanos, não obstante o necessário uso proporcional da força".
Ciclos
Especialistas ouvidos pelo Correio explicam que a atuação dessas milícias não é nova e acontece de forma cíclica. A professora Jacqueline Muniz, do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que os grupos de justiceiros reaparecem quando há o agravamento do temor coletivo e a fragilização da segurança pública.
"Os grupos de caça-bandidos são recorrentes quando certos cenários se constituem, e isso não é exclusivo do Rio de Janeiro. É um fenômeno conhecido no campo da segurança pública. Essas cruzadas moralistas e violentas se consolidam e emergem toda vez que se tem o agravamento do temor coletivo e da generalização do sentimento de insegurança. Emerge o cada um por si e o Estado por ninguém. Emergem as lógicas particularistas de proteção em contraponto à fragilidade do provimento de segurança pública", salientou.
Para Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), existe um controle violento desses territórios principalmente quando os jovens negros são apontados como principais suspeitos e acabam sendo alvo de vigilância e violência extremas.
"Esses casos remontam a uma história comum. A gente pode lembrar do caso emblemático de um homem negro que foi amarrado a um poste e espancado porque, supostamente, teria roubado na região de Copacabana. Preocupa que o fato dessa espetacularização dos casos de violência que tem acontecido no bairro seja mais um motor para esse caldo de cultura, que permite esses grupos de justiçamento proliferarem", explicou.
Na avaliação de Nunes, não é possível associar a formação desses grupos com a milícia. "Esse impulso justiceiro move a população, principalmente de determinados territórios do Rio. Há uma certa leniência com essas soluções terceirizadas de garantia de segurança", criticou.
O secretário de Segurança do Rio de Janeiro, Victor Santos, reafirmou, ontem, que os justiceiros serão tratados como criminosos. "O dever do Estado é dar segurança pública. O Estado trouxe para si esse dever. Nenhum cidadão pode se colocar na posição de fazer justiça com as próprias mãos. Isso é crime", frisou, depois de uma reunião com os chefes da Polícia Civil, delegado Marcus Amim, e da Militar, coronel Luiz Henrique Marinho, no Centro Integrado de Comando e Controle.
"O recado que tem que se dar para a população é: não pode um cidadão, que se acha do bem, achar que a justificativa de ter presenciado algum ato de violência pode tomar para si a responsabilidade sobre prender ou fazer justiça com as próprias mãos. Vai ser tratado como criminoso, infelizmente. Porque está previsto no Código Penal esse tipo de ação", acrescentou.
A Polícia Civil investiga dois casos de ações de justiçamento, depois que foram registrados boletins de ocorrência em delegacias de Copacabana e de Ipanema.
*Com Isabel Dourado, estagiária sob a supervisão de Fabio GrecchiSaiba Mais
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