SÃO PAULO

Após quatro anos de chacina, Paraisópolis ainda aguarda por justiça

Nove jovens da periferia paulistana foram assassinados num baile funk, em 2019, por 13 policiais militares ainda impunes

Nesta sexta-feira (1/11), data que completa quatro anos do massacre de Paraisópolis, familiares das vítimas vão realizar um ato em memória aos 9 jovens que foram mortos no baile da DZ7 no Vão do Museu de Arte de São Paulo  às 17 horas. 
 -  (crédito: Coletivo Projetamos - São Paulo )
Nesta sexta-feira (1/11), data que completa quatro anos do massacre de Paraisópolis, familiares das vítimas vão realizar um ato em memória aos 9 jovens que foram mortos no baile da DZ7 no Vão do Museu de Arte de São Paulo às 17 horas. - (crédito: Coletivo Projetamos - São Paulo )
postado em 02/12/2023 04:00

 “Depois do choque, a gente acaba saindo da realidade. E quando a gente volta para a realidade, a gente consegue se dar conta que está faltando um pedaço de nós que foi arrancado. Esperamos que pelo menos a justiça aconteça.”

É essa a esperança de Maria Cristina Quirino após ter perdido o filho Denys Henrique Quirino da Silva, de 16 anos. O adolescente foi uma das nove vítimas da chacina ocorrida na madrugada de 1° de dezembro de 2019, durante o Baile da DZ7, um movimento cultural de rua de Paraisópolis, zona sul da capital paulista. As mortes aconteceram durante uma ação policial realizada pela Polícia Militar do 16° Batalhão.

Duas operações da PM ocorriam naquela comunidade na noite da morte dos jovens: a Operação “Saturação” e a Operação “Pancadão”. A primeira foi uma ação ostensiva, com reforço de policiamento na localidade. O combate ao tráfico de drogas foi o argumento. Além disso, foi deflagrada como resposta ao assassinato de um policial em Paraísópolis. A segunda ação visava impedir a realização do baile funk da DZ7.

Os nove jovens mortos após a ação da Polícia Militar são: Gustavo Cruz Xavier, 14 anos; Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16; Denys Henrique Quirino da Silva, 16; Luara Victoria de Oliveira, 18; Gabriel Rogério de Moraes, 20; Eduardo Silva, 21; Bruno Gabriel dos Santos, 22; e Mateus dos Santos Costa, 23. Nenhuma das vítimas morava na comunidade.

A maioria dos frequentadores do Baile eram adolescentes e jovens, que, à época, foram abordados com violência pelos denunciados. E essa violência empregada contra as vítimas se deu de várias formas, provocando lesões que resultaram nas nove mortes e dezenas de feridos. A polícia reprimiu a presença dos jovens nas ruas da comunidade. As vítimas que morreram tinham entre 14 e 23 anos e a causa da morte foi determinada posteriormente pela perícia como asfixia mecânica por sufocação indireta. Todos chegaram mortos aos locais de atendimento hospitalar.

Os PMs alegaram que perseguiam dois suspeitos de roubo e que estavam numa moto. Eles nunca foram encontrados. Em suas defesas, os policiais afirmaram ainda que as vítimas morreram ao serem pisoteadas após um tumulto provocado pelos bandidos. O caso gerou grande repercussão e ficou conhecido como “Massacre de Paraisópolis”.

O Correio procurou os familiares das nove vítimas, mas somente Maria Quirino concordou em conversar com a reportagem. Após quatro anos da perda do filho de 16 anos, a mãe do adolescente Denys Henrique, lembra da sua relação com ele. Emocionada e saudosa, ela relata que o filho era carinhoso, amoroso, vaidoso e cheio de sonhos.

“Estamos há quatro anos nessa caminhada, cada um com seu jeito. Falar do meu filho para mim é a coisa mais difícil. Ele era o filho mais amoroso, mais carinhoso, mais apegado em mim. Tenho quatro filhos, mas ele era especial nesse sentido. Muito alegre, muito extrovertido, um adolescente que estava começando a formar os sonhos dele. Arrancaram a minha vida”, desabafou.

Grave violação de direitos humanos

A investigação ocorreu por 1 ano e 7 meses, num inquérito com cerca de quatro mil páginas. Dos 31 policiais envolvidos, 9 foram indiciados por homicídio culposo, em maio de 2021.

O Ministério Público ofereceu denúncia ao I Tribunal do Júri da Capital contra 12 policiais por 9 homicídios dolosos triplamente qualificados e por lesão corporal grave. Um 13º policial foi indiciado por explosão, acusado de lançar uma granada em direção às vítimas.

Ainda não há decisão da Justiça contra os acusados e todos os 13 réus respondem em liberdade.

Um relatório do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo e do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do estado, classifica a chacina como um caso de violação de direitos humanos de “altíssima complexidade”.

A pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança em São Paulo, Francine Ribeiro, explica que a chacina de Paraisópolis não é um caso isolado e que houve outros crimes em que a vida de vários jovens em um período de tempo curto tiveram as vidas ceifadas.

“O baile da DZ7 é um movimento cultural e de resistência dos jovens de diversas periferias. Quando a polícia vem com a violência e abuso do poder em direção desses jovens há uma demonstração que esses jovens não têm o direito de curtir. O ato foi uma covardia porque houve uma emboscada construída pela polícia.”

Ribeiro reforça que a cultura de violência policial vai sendo passada de geração em geração dentro das corporações. “Quando não tem uma responsabilização você chancela a ideia de que o estado tem o poder de vida e morte dessas pessoas.”

A pesquisadora do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo, Desirée Azevedo, questiona a demora das investigações do caso e critica a atuação da polícia.

“O caso coloca em questão mais do que a atuação individual de policiais, mas a lógica das operações realizadas pela Polícia Militar. Se é que elas devem acontecer”, disse Azevedo, e completou:

“Eles agem como se pudessem estabelecer operações e atuar livremente nas comunidades sem maiores controles.”

*Estagiária sob a supervisão de Evandro Éboli

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