Massacre de Paraisópolis

Massacre de Paraisópolis completa 4 anos e famílias cobram justiça

Nove jovens morreram assassinado quando participavam do Baile da DZ7, em Paraisópolis, zona sul da capital paulista. Os policiais acusados respondem ao crime em liberdade

Familiares das vítimas realizam ato em memória aos nove jovens que foram mortos no baile da DZ7 -  (crédito: Coletivo Projetamos - São Paulo )
Familiares das vítimas realizam ato em memória aos nove jovens que foram mortos no baile da DZ7 - (crédito: Coletivo Projetamos - São Paulo )
postado em 01/12/2023 16:51 / atualizado em 01/12/2023 17:45

“Depois do choque, a gente acaba saindo da realidade, quando a gente volta para a realidade a gente consegue se dar conta de que está faltando um pedaço de nós que foi arrancado. Esperamos que pelo menos a justiça aconteça.” É essa a esperança de Maria Cristina Quirino, após ter perdido o filho Denys Henrique Quirino da Silva, de 16 anos. O adolescente foi uma das nove vítimas da chacina ocorrida na madrugada de 1° de dezembro de 2019, no Baile da DZ7, um movimento cultural de rua de Paraisópolis, zona sul da capital paulista. As mortes aconteceram durante uma ação policial realizada pelo 16° Batalhão da Polícia Militar.

Na noite da morte dos jovens, duas operações da PM estavam ocorrendo na comunidade: a Operação Saturação e a Operação Pancadão. A primeira havia intensificado o policiamento ostensivo na comunidade, deslocando policiais militares de outros batalhões para a região para combater o tráfico de drogas. Ela foi deflagrada como resposta ao assassinato de um policial em Paraisópolis. A segunda operação visava impedir a realização do baile funk da DZ7.

A maioria dos frequentadores do Baile eram adolescentes e jovens. À época, eles foram abordados com violência pelos denunciados, que de várias formas agrediram as vítimas, provocando nelas lesões que resultaram em nove mortes e dezenas de feridos. Na ação, a polícia reprimiu violentamente a presença dos jovens nas ruas da comunidade. As vítimas que morreram tinham entre 14 e 23 anos e a causa da morte foi determinada posteriormente pela perícia como asfixia mecânica por sufocação indireta e chegaram mortas aos locais de atendimento hospitalar.

Os nove jovens mortos após a ação da Polícia Militar são: Gustavo Cruz Xavier, 14 anos; Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16; Denys Henrique Quirino da Silva, 16; Luara Victoria de Oliveira, 18; Gabriel Rogério de Moraes, 20; Eduardo Silva, 21; Bruno Gabriel dos Santos, 22; e Mateus dos Santos Costa, 23. Nenhuma das vítimas morava na comunidade.

Os PMs alegaram que perseguiam dois suspeitos de roubo que estavam numa moto, que nunca foram encontrados. Em suas defesas, alegaram ainda que as vítimas morreram ao serem pisoteadas após um tumulto provocado pelos criminosos. O caso gerou grande repercussão e ficou conhecido como “Massacre de Paraisópolis”.

O Correio procurou os familiares das nove vítimas envolvidas, mas somente Maria Cristina Quirino concordou em conversar com a reportagem. Após quatro anos da perda do filho adolescente, a mãe lembra da sua relação com ele. Emocionada e saudosa, ela relata que o filho era carinhoso, amoroso, vaidoso e cheio de sonhos. “Estamos há quatro anos nessa caminhada, cada um com seu jeito. Falar do meu filho para mim é a coisa mais difícil. Ele era o filho mais amoroso, mais carinhoso, mais apegado em mim. Tenho quatro filhos, mas ele era especial nesse sentido. Muito alegre, muito extrovertido, um adolescente que estava começando a formar os sonhos dele. Quando eles fizeram isso com meu filho eles arrancaram a minha vida”, desabafou.

A investigação ocorreu por um ano e sete meses, e resultou em um inquérito com quase 4 mil páginas. Houve o indiciamento, por homicídio culposo, em maio de 2021, de nove dos 31 policiais envolvidos. O Ministério Público de São Paulo (MPSP) ofereceu denúncia ao 1º Tribunal do Júri da Capital, no mês de julho, contra 12 policiais por nove homicídios dolosos triplamente qualificados (motivo torpe, meio cruel e emprego de emboscada) e por lesão corporal grave. Além disso, o MPSP denunciou um décimo terceiro policial por explosão. A mais grave das acusações é, portanto, a de homicídios múltiplos.

Até o momento, não há nenhuma decisão da Justiça sobre o caso. Todos os 13 réus respondem ao crime em liberdade. São eles: os soldados Anderson da Silva Guilherme, Gabriel Luis de Oliveira, José Joaquim Sampaio, Luís Henrique dos Santos Quero, Marcelo Viana de Andrade, Marcos Vinicius Silva Costa e Matheus Augusto Teixeira; o subtenente Leandro Nonato, o sargento João Carlos Messias Miron, o cabo Paulo Roberto do Nascimento Severo e a tenente Aline Ferreira Inácio. Um dos indiciados já não faz mais parte dos quadros da Polícia Militar.

A denúncia contra os réus foi assinada pelos promotores Neudival Mascarenhas Filho, Luciana André Jordão Dias e Alexandre Rocha Almeida de Moraes.

Busca por justiça

A primeira audiência do caso ocorreu em 25 de julho deste ano, foram ouvidas 10 testemunhas de acusação. A segunda audiência está marcada para 18 de dezembro, no Fórum Criminal da Barra Funda, Zona Oeste de São Paulo. Ainda não há previsão de quando os PMs serão interrogados. A audiência de instrução serve para a Justiça decidir se há elemento suficiente que comprove que os réus cometeram algum crime.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que os agentes da PM que são réus na Justiça Comum permanecem afastados das ruas e estão trabalhando na área administrativa. “Os inquéritos civil e militar sobre o respectivo caso foram concluídos e remetidos ao Poder Judiciário. Um dos indiciados não mais integra os quadros da Polícia Militar e os outros 12 seguem afastados das atividades operacionais de policiamento até a conclusão do trabalho judicial”, diz o texto.

A mãe de Denys Henrique, Maria Cristina, cobra justiça e espera que os réus respondam pelo crime cometido. Ela reforça que o papel deles deveria estar baseado na proteção, e não na violência contra os cidadãos e cidadãs.

“O que a gente espera é que eles respondam criminalmente pelo crime que eles cometeram. Eles mataram nove jovens inocentes que tinham uma vida inteira pela frente. Eles tentam justificar que criança não tem que estar em baile funk. A policial não tem que matar em lugar nenhum, independentemente de onde a criança ou o adulto estejam. Pedimos encarecidamente que o Estado puna os assassinos. O que a gente espera é que a justiça seja feita. A gente vai ficar com aquela falta pelo resto da vida. Para o resto da minha vida eu vou lutar e vou mostrar o que fizeram com o meu filho.”

Ato em memória

Nesta sexta-feira (1º/12), data que completa quatro anos do massacre de Paraisópolis, familiares das vítimas vão realizar um ato em memória dos nove jovens mortos no baile da DZ7, no vão do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, às 17h.

“É a primeira vez que a gente vai fazer o ato na Avenida Paulista. Estamos sofrendo toda uma pressão aqui em São Paulo porque estamos com um governo de estado que está simplesmente apoiando massacres e chacinas, como a que ocorreu na baixada Santista recentemente. A gente pensou em dar mais visibilidade para o nosso caso e também trazer essa visibilidade das coisas que acontecem. Nosso ato é um ato de memória. Vamos fazer uma intervenção no MASP e fazer uma homenagem aos nossos filhos e, depois, uma caminhada em protesto”.

*Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer

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