A Comissão de Segurança Pública (CSP) no Senado deve votar na terça-feira (28/11) o projeto de lei (PL) 2326/2022, que modifica o Estatuto do Desarmamento para permitir que integrantes da Fundação dos Povos Indígenas (Funai) tenham direito ao porte de arma de fogo durante a realização de atividades de fiscalização. A proposta, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), líder da legenda na Casa, enfrenta oposição de tradicionais defensores do porte de armas como os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Damares Alves (Republicanos-DF).
O filho 01 do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reclamou da incoerência do governo, que sempre defendeu o controle do armamento. “É uma das maiores incoerências que eu já vi no discurso da extrema-esquerda. Em outras palavras, o que está sendo dito no relatório é que armas salvam vidas”, disse o senador na apresentação do relatório em outubro.
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Mas mesmo acusando o governo de incoerência, parte da bancada armamentista está tendendo em alterar o sinal e aderir também à incoerência, se opondo ao porte de arma dos funcionários da Funai. Na articulação da rejeição do projeto tomou a frente a deputada, indígena e bolsonarista, Silvia Waiãpi (PL-AP), que circulou pelo Senado nas últimas semanas conversando com senadores da oposição sobre o texto.
Waiãpi negou incoerência, mas apontou que a oposição ao texto busca principalmente trazer o tema para discussão. Ao Correio, a parlamentar justificou a rejeição em função do veto do presidente da República ao projeto do Marco Temporal, que autorizava que as forças de segurança entrassem, sem permissão da Funai, em terras indígenas.
“Ele não precisa de arma (o fiscal da Funai), você só precisa de porte quando você exerce a segurança de uma área específica que precisa de segurança, e essa ação, missão e função é das Forças Armadas. Quem está falando é uma indígena, militar, que foi a primeira mulher indígena a ser um oficial das Forças Armadas no Brasil”, disse a parlamentar.
Sobre a incoerência da posição, também disse que vê com receio o que definiu como enfraquecimento das missões institucionais das Forças Armadas. “Eu questiono quando tentam usurpar uma missão constitucional das Forças Armadas, quando tentam enfraquecer a missão das Forças. Eu vejo se armar um projeto, ou um veto, que impede uma ação e libera para outrem ou tenho que começar a sinalizar”, disse.
Segundo a coordenadora-geral de monitoramento territorial da Funai, Thais Dias Gonçalves, a medida é apoiada pela instituição e pelos servidores e ressalta que a lei não irá armar os indígenas e sim equiparar os agentes de fiscalização da Funai aos agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), que já possuem esse poder de polícia administrativa da União.
“É polícia administrativa da União, não é segurança pública. Os auditores fiscais do trabalho, os servidores do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), do serviço de patrimônio da União, não são segurança pública, são servidores imbuídos do poder de polícia administrativa. A arma é para a segurança do servidor”, ressaltou Gonçalves ao Correio.
Entende também que a oposição tem interesse em enfraquecer a Funai. “Eu acredito que tem a ver com o interesse em fragilizar a instituição e fomentar os ilícitos nas áreas protegidas, é só cruzar os dados sobre desmatamento, degradação, mineração em áreas protegidas no período em que eles estavam na situação. A oposição quer manter os crimes ambientais nas áreas indígenas”, diz a coordenadora.
A dirigente da Funai ainda ressaltou que o órgão só conta com o apoio dos fiscais armados do Ibama ou mesmo das forças de segurança em 40% das fiscalizações realizadas e descarta qualquer incoerência do atual governo. “Justamente o contrário, dar a legalidade a quem deve ter, que é o Estado brasileiro. Esse governo é contra o armamento das pessoas sem elas terem atribuição, sem elas estarem designadas para isso. Havendo essa atribuição do Estado para a proteção das terras indígenas, os servidores têm que estar preparados”, ressaltou.
Já para o pesquisador da segurança pública e policial federal, Roberto Uchôa, a medida é negativa para a segurança pública. “Essa vontade de determinadas categorias cada vez se armarem mais é uma tentativa de burlar o espírito do Estatuto do Desarmamento de 2003, que previa justamente que somente forças de segurança e atividades específicas pudessem portar armas de fogo”, disse o especialista.
“Não faz sentido ter mais uma categoria portando arma de fogo, as atribuições não demandam esse tipo de instrumento de trabalho. Nós temos que pensar que a arma é instrumento de trabalho, não é para proteção do servidor, se não cada um vai arrumar um perigo diferente no trabalho, em um país violento como o Brasil, isso acaba como justificativa para todos terem porte de arma”, pondera Uchôa.
O especialista, que participa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, demonstrou surpresa ao saber que a oposição se manifestava contrária à aprovação da medida. “Os bolsonaristas serem contra arma de fogo, depois de 6 anos falando em arma 24 horas por dia, querendo armar a população inteira? Isso mostra o tamanho da incoerência dessa turma e vale questionar se isso era uma pauta real ou apenas pontual, só onde tivessem interesse”, questiona o pesquisador.