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Trabalho de cuidado deve ganhar política nacional em 2024, diz secretária

A expectativa é que o governo federal apresente propostas de um marco normativo para reconhecer os direitos de quem cuida em 2024

A escolha do tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), deste ano, jogou luz sobre uma atividade muitas vezes invisível em nossa sociedade: o trabalho de cuidado. Majoritariamente feito por mulheres não remuneradas ou mal pagas, o trabalho de cuidado consiste em atender às necessidades físicas e/ou emocionais de outra pessoa em diversas frentes: comprar e fazer comida, limpar a casa, lavar as roupas, educar os filhos, cuidar de alguém que ficou doente, entre outras. 

Após o tema ganhar repercussão nacional, Laís Abramo, secretária nacional de Cuidados e Família, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, declarou que a atividade deve ganhar uma política nacional própria no próximo ano.

Em entrevista à Agência Brasil, no último domingo (5/11), Laís afirmou que a expectativa é que o governo federal apresente, em maio de 2024, propostas de um marco normativo para reconhecer os direitos de quem cuida. Segundo Laís, há uma ideia naturalizada de que o ato de cuidar é de responsabilidade apenas das mulheres. 

"É uma realidade para a qual não se presta muita atenção, há uma naturalização de que a tarefa de cuidar das pessoas é algo que compete às mulheres, algo que se entende como uma natureza feminina. Isso tem a ver como uma forma que se organiza as tarefas de gênero na sociedade, a provisão de recursos, o que sobrecarrega as famílias", destacou a secretária de Cuidados e Família à Agência Brasil.

Ao Correio, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome explicou que no final de outubro, o governo abriu uma consulta pública sobre o tema. A primeira parte desse processo está relacionada a um marco conceitual e tem o intuito de incluir conceitos básicos que embasam a proposta da política e a definição do seu escopo, dos sujeitos de direitos e públicos beneficiários, assim como de seus princípios e diretrizes. 

Já na segunda etapa, o governo pretende coletar as opiniões da sociedade brasileira sobre o que se entende por cuidados e quais são as suas principais demandas relacionadas ao tema, e também levantar propostas e sugestões para a Política Nacional de Cuidados. "As iniciativas compõem o processo de participação social para subsidiar a elaboração da Política e do Plano Nacional de Cuidados. Além disso, já estão em curso diálogos com diversos segmentos da sociedade, como mulheres trabalhadoras rurais e indígenas, população em situação de rua e trabalhadoras domésticas", pontua o Ministério.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) mostram que as mulheres dedicam 21,3 horas semanais a afazeres domésticos, enquanto os homens apenas 11,7 horas. A invisibilidade ou falta de valorização do trabalho de cuidado é um problema a ser enfrentado porque contribui para o aprofundamento da desigualdade de renda, além de ocasionar estresse, depressão ou ansiedade por causa da dupla jornada que muitas mulheres assumem.

De acordo com a Oxfam, que é uma confederação internacional de combate a desigualdades e injustiças, mulheres do mundo todo acumulam pelo menos 380 bilhões de horas por mês em atividades de cuidado não remuneradas. Por ano, esse montante chega a 4,6 trilhões. "Se ninguém investisse tempo, esforços e recursos nessas diárias essenciais, comunidades, locais de trabalho e economias inteiras ficariam estagnadas", diz a organização.

Política Nacional de Cuidados

Em maio deste ano, o governo federal lançou um Grupo de Trabalho (GT) responsável por elaborar uma Política Nacional de Cuidados. O grupo interministerial tem a coordenação do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, por meio da Secretaria Nacional de Cuidados e Família, e do Ministério das Mulheres. Cida Gonçalves, ministra das Mulheres, avalia que a prioridade da iniciativa deve ser o enfrentamento das desigualdades.

“Apesar de ser uma demanda de todos nós, a responsabilidade pelo cuidado é distribuída de forma desigual na sociedade brasileira, deixando a maior parte para as famílias e, especialmente, para as mulheres. A desigualdade é acentuada e tem recortes de raça e classe social para tarefas cotidianas, como preparo do alimento, limpeza, organização da casa, o cuidado direto a pessoas com algum grau de dependência, como crianças ou idosos”, explicou Cida, na cerimônia de lançamento do GT.

O Correio tenta contato com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome para saber mais detalhes sobre as políticas públicas voltadas ao trabalho de cuidado, mas até a publicação desta matéria não houve retorno. 

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