Saúde ambiental

Desastres naturais abalam a saúde mental e agravam doenças cardíacas

Sentimento de perda e impotência podem gerar estresse climático e prejudicar a saúde

Entre 2013 e 2022, 93% dos municípios brasileiros sofreram com tempestades, inundações, enxurradas ou alagamentos, segundo dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM).

O aumento dessas ocorrências pode desencadear o Transtorno de Estresse Agudo (TEA), uma condição de saúde mental que pode elevar em até três vezes o risco de eventos cardiovasculares, como um Acidente Vascular Cerebral (AVC), alerta a médica cardiologista Michelle Albert, professora da Universidade da Califórnia de São Francisco, envolvida em pesquisas de ponta sobre como doenças socialmente determinadas impactam a saúde do coração.

Em entrevista ao Correio, Michelle Albert afirmou que existe uma forte relação entre os desastres naturais e doenças do coração.

"Não é só sobre o desastre, mas sim o estresse da perda e o sentimento de não ter o que fazer. Pacientes que já têm problemas cardiovasculares e que em algum ponto da vida poderiam ter AVC's ou derrames ficam suscetíveis a uma ocorrência mais precoce", alerta a médica, que presidiu a Associação Americana do Coração até 2022.

O estresse climático sobrecarrega o sistema nervoso e cardiovascular a partir da liberação de hormônios como a adrenalina, que aumentam a frequência cardíaca. Outro impacto é a chamada sobrecarga alostática, um desgaste do corpo diante de estresse contínuo que diminui a cooperação entre os sistemas do corpo e pode causar danos em vários órgãos, degeneração de tecidos, hipertensão e transtornos psíquicos. "O risco cardiovascular e de aumento do estresse climático é maior em populações socialmente vulneráveis e tende a ter impactos mais significativos. Visto que eles experimentam mais desafios e dificuldades diante das desvantagens sociais", disse a cardiologista.

Albert afirma que é necessário um olhar especial para as populações periféricas, com a criação de políticas efetivas. "Não existe uma estratégia ideal, mas acredito que investindo em educação igualitária podemos melhorar as condições de vida dessas populações para que não fiquem tão suscetíveis ao estresse climático" diz.

Eventos climáticos geram insegurança profunda e medo de futuro assustador 

Pioneiro na introdução da Ecopsicologia no Brasil, o psicólogo Marco Aurélio Bilibio diz que o estresse produzido pelo cenário climático se caracteriza como um transtorno de ansiedade induzido por fantasias de desastres ambientais ou uma incerteza profunda em relação ao futuro. Esse quadro gera muita insegurança e, em geral, está associado ao medo profundo de uma disrupção, explica Bilibio.

Pesquisa realizada em 2021 pela Kantar com 10 mil crianças e jovens entre 16 e 25 anos em dez países - Brasil, Austrália, Finlândia, França, Índia, Nigéria, Filipinas, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos - sobre o cenário climático e a resposta das autoridades revelou que mais de 50% sentiam tristeza, ansiedade, raiva, impotência, desamparo e culpa. Dentre os pensamentos negativos relatados, mais de 75% responderam que esperam um futuro assustador. 

Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB), Bilibio diz que há uma compreensão de que as pessoas que estão expressando ecoansiedade são mais sensíveis ao risco real do
que a população em geral. A ecoansiedade, afirma o psicólogo, tem uma característica peculiar que pode diferenciá-la de outras expressões de ansiedade por estar associada a imagens que são muito coerentes com o que a comunidade científica tem alertado.

“O que a ciência hoje nos informa é que, caso não consigamos bloquear o aumento da temperatura
do planeta, essas fantasias vão se tornar realidade, como já estão se tornando”, observa. Quando ocorrem situações como deslizamentos de terra, como houve em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, ou ondas de calor registradas na Europa, Estados Unidos e Brasil, há elementos de realidade que atuam como gatilhos para o quadro de ansiedade, alerta o psicólogo.

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