Saúde ambiental

Emissões de Co2 e ondas de calor desafiam a saúde do coração

Pesquisas revelam uma conexão direta entre a má qualidade do ar e problemas cardíacos

Geralmente relacionada a doenças respiratórias, a poluição do ar pode estar comprometendo o seu coração. De acordo com um estudo publicado na revista científica Lancet, cerca de 6,7 milhões de pessoas morreram prematuramente devido à poluição do ar no mundo em 2019. Quase 62% das mortes estavam relacionadas com doenças cardiovasculares. Com as mudanças climáticas, esse cenário tende a se agravar, alertam especialistas.

"As doenças cardiovasculares já são a principal causa de morte no Brasil, então esses números são muito significativos. Percebemos que a poluição mata de uma forma até surpreendente", alerta o cardiologista João Fernando Monteiro Ferreira, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Dados da Federação Mundial do Coração reforçam o alerta: até 20% das mortes cardiovasculares têm relação ou são causadas por poluição. Destas, 34% são causadas por infarto e 20% por acidente vascular cerebral (AVC).

A aterosclerose, processo infla- matório que altera o sistema nervo- so e circulatório e é a principal causa de derrames e infartos, pode ser causada pela inalação de poluição. Um estudo sobre o efeito da temperatura nas mortes por doenças cardiovasculares, produzido pelo mé- dico Ismael Henrique da Silveira, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC-U- FBA), comprovou que o impacto é maior em um cenário de mais emis- sões de dióxido de carbono (CO2), um dos gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global.

O pesquisador levou em conta diferentes cenários até 2040, que apon- tam as regiões central e sudeste como áreas mais críticas em um cenário extremo, sem políticas de mitigação de CO2 com maior potencial de aquecimento. “Vamos ter a popula- ção sendo exposta a uma tempera- tura em que o risco de mortalidade é maior. Então, é esperado que tenha- mos maior quantidade de óbitos por doenças cardiovasculares que estão relacionados à temperatura”, prevê.

Hipertensos mais vulneráveis

De acordo com a Análise de Si- tuação de Clima e Saúde do Obser- vatório de Clima e Saúde, que reú- ne a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o Ministério da Saúde e a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), o aumento de condições extremas, como as ondas de calor e a maior concentração de poluentes at- mosféricos, pode impulsionar ainda mais a mortalidade em hipertensos no Brasil, especialmente em idosos.

Em pessoas hipertensas, esse impacto na saúde pode levar a óbito e deve ser um foco de atenção das autoridades de saúde, alerta a bióloga Sandra Hacon, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Fiocruz), especialista em controle da poluição ambiental. "Ainda não temos um protocolo de atendimento às pessoas apresentando efeitos agudos, como a oscilação da pressão arterial. As altas temperaturas desencadeiam danos que representam o resultado de múltiplos efeitos", diz a especialista.

A pressão alta é um dos principais fatores de risco para as doenças cardiovasculares, causa número um da mortalidade no país. De acordo com a Sociedade Brasileira de Hipertensão, a doença atinge 30% da população adulta brasileira. Essa taxa pode chegar a 60% no grupo de pessoas acima de 75 anos, segundo a Pesqui- sa Nacional de Saúde de 2019.

Você sabe o que é sidemia global? 

Especialista no efeito da tempera- tura nas mortes por doenças car- diovasculares, o sanitarista Ismael Silveira explica como a interação entre três pandemias em anda- mento - desnutrição, mudanças climáticas e obesidade - pode potencializar as doenças do coração.

Como relacionar mudanças climáticas com a expansão dos fatores de risco para doenças cardiovasculares?

Existe um termo chamado “sindemia global”, que é usado para explicar a relação entre a desnutrição, as mudanças climá- ticas e a obesidade como pande- mias, potencializando as doen- ças cardiovasculares. Esse termo é usado para descrever a coocor- rência desses três tipos de pan- demia, que inclusive têm causas comuns. Podemos pensar, por exemplo, na maneira como se tem produzido alimentos, com
base na concentração de muitas terras agrícolas, grandes desma- tamentos, produção de alimen- tos ultraprocessados, que contri- buem para as mudanças climáti- cas e também para a insegurança alimentar, além de uma epidemia de desnutrição e de obesidade.

Como enfrentar esse cenário?

Precisamos preparar o sistema de saúde para isso. Há um sistema de alerta para ondas de calor, mas isso precisa ser refina- do. É preciso preparar as pessoas para o que está vindo e melhorar as condições de vida como um todo. Outra questão é cuidar da população para aumentar a resi- liência, termos uma atenção primária forte e vigilante, ter sistemas hospitalares, de urgência e emergência funcionando para essas situações, com pessoas preparadas para identificar esses eventos de saúde.

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